O Brasil ocupa posição de destaque (em 2006 era o número 70, em 163 países) no ?ranking? mundial de percepção da corrupção elaborado pela ?Transparency International?. Mundialmente falando ele é considerado um país pouco sério em relação a medidas concretas e efetivas para enfrentar a corrupção e a impunidade. O relatório do Banco Mundial divulgado em 15/4/07, aliás, concluiu que o Brasil é um dos piores lugares para se fazer negócios em razão da instabilidade gerada sobretudo pela corrupção e pela criminalidade. A mesclagem do dinheiro público com o privado está difundida de norte a sul e isso ocorre sob a convicção da quase absoluta impunidade dos altos integrantes dos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Nesse contexto, é evidente que a população brasileira, de um modo geral, vem se surpreendendo e aplaudindo efusivamente não só todas as recentes e espetaculares operações realizadas pela Polícia Federal (Operação Navalha, Furacão, Anaconda etc), senão também as incontáveis prisões decretadas, inclusive de gente graúda. Todos sabemos que essas pessoas também delinqüem. A criminalidade, de acordo com a teoria da ubiqüidade, está presente em todas as camadas sociais. O que não ocorria até pouco tempo era a prisão massificada delas, a indisponibilidade dos seus bens, o constrangimento de serem processadas e eventualmente condenadas etc.
A Polícia Federal, fazendo uso dos seus serviços de inteligência, vem descobrindo falcatruas imensas (mensalão, sanguessuga, furação, navalha etc) e tudo praticamente sem derramar uma só gota de sangue. Isso representa um grande avanço nos métodos investigativos. Mas todo cuidado deve ser tomado, tanto pela Polícia como pelo Ministério Público e Judiciário, para se evitar excessos e vazamentos. Os primeiros conduzem ao chamado Estado de Polícia. Os segundos geram uma espécie de Estado policial midiático.
A liberdade, nunca podemos esquecer, é a regra no Estado constitucional e humanista de Direito. A prisão, sobretudo antes do trânsito em julgado, é exceção. De qualquer modo, é certo que ela não viola o princípio da presunção de inocência quando comprovada sua absoluta necessidade. Parece bizarra, desse modo, a discussão sobre sua pertinência ou cabimento em relação aos atos de corrupção. Cadeia também foi feita para os corruptos e delinqüentes ?estatais?, porém, só se justifica quando indiscutivelmente necessária.
E quando devemos mandar ou manter na cadeia essas pessoas que estão sendo acusadas de se enriquecer de modo ilícito e de dilapidar inescrupulosamente o patrimônio nacional? Nos termos do artigo 312 do CPP, a prisão cautelar (isto é, antes da sentença condenatória final) é juridicamente possível para a garantia da ordem pública, conveniência do processo ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Não importa, dessa forma, se se trata de delinqüente pobre ou de colarinho branco. Quando fatos concretos, devidamente demonstrados, justificam a prisão cautelar, não há dúvida que ela deve ser decretada ou mantida pelo Poder Judiciário.
Desde que o réu apresente altíssima periculosidade ou esteja ameaçando testemunhas ou se preparando para fugir do país, torna-se indiscutível que nesses casos excepcionais o suspeito ou acusado deve ser preso ou mantido encarcerado. A presunção de inocência, sendo uma presunção que admite prova em sentido contrário, perde seu império quando motivos concretos revelam que o sujeito em liberdade representa sérios riscos para a sociedade ou para o bom andamento do processo.
De qualquer modo, há exigências constitucionais que não podem ser negligenciadas. Todo decreto de prisão ou sua manutenção deve ser fundamentado pela autoridade judiciária competente. O descumprimento dessa regra conduz à liberação do sujeito, que acaba gerando, na sociedade, mais uma vez, a sensação de impunidade.
Conclusão: com a liberdade não se brinca, pois do contrário podemos chegar ao ?Estado do Terror?. Mas quando necessária, a cadeia também foi feita para desembargadores, ministros, presidente do Congresso Nacional, empreiteiros, banqueiros etc. Havendo justo motivo, devidamente explicitado, por força do princípio da igualdade, também esses atávicos criminosos de colarinho branco devem ser encarcerados ou mantidos na prisão. Mas atenção: isso nunca pode ocorrer por razões revanchistas ou eleitorais ou ideológicas.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, ex-juiz de Direito e professor de Direito Penal na Unisul e na rede de ensino LFG.
