A bússola do presidente

Uma escola de samba do Rio de Janeiro promete imortalizar no sambódromo, onde já se afinam os pandeiros para o próximo Carnaval que se avizinha, o arreglo do atual governo brasileiro ao FMI – Fundo Monetário Internacional. Imaginou um carro alegórico em que Tio Sam aparece sentado sobre o Congresso Nacional, como se estivesse numa latrina. A imagem é perfeita para resumir toda a idéia, ninguém pode negar.

Incontinenti, os condestáveis do Planalto torceram o nariz. Provavelmente não pelo Tio Sam, mas pela latrina. Tanto faz. Adversários, em qualquer governo, são naturais e até necessários quando devidamente localizados. Mas mexer assim com o povo é perigoso. Quando o povo se transforma no adversário do governo, aí está tudo perdido. Mesmo que seja embutida dentro de uma folia carnavalesca, a crítica popular tem o efeito de um incêndio: sabe-se como começa, não se tem idéia de como haverá de terminar.

O governo, furibundo, destacou o presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, para negociar com o carnavalesco chamado Milton Cunha, autor da iniciativa (não da idéia, pois o tema já foi objeto de charges e coisas do gênero, ao tempo em que o PT gritava “fora FMI!”). Mas o carnavalesco está convencido do que faz e promete ser duro na queda. Ademais, com a polêmica, já pegou o gostinho da publicidade.

Carnaval é festa do povo. Livre e soberano. Nem devia passar pela cabeça de João Paulo qualquer tarefa dissuasória. Assim fazendo, prova que o governo do PT tem uma vocação não bem definida pelo dirigismo cultural, que já fez estragos ao tentar vincular a legislação de incentivo à cultura a um tipo de oba-oba que lembrava programas nazistas do passado século.

Vindo de Roma, onde desfruta do confortável status de embaixador, o ex-vice-presidente que virou presidente, Itamar Franco, faz coisa pior: lembra a Lula que está na hora de retomar velhos caminhos para corrigir os rumos da economia brasileira. Não disse onde está o norte, mas defendeu ser necessário que a bússola do presidente seja compensada em direção às pregações de campanha. Itamar, além do velho topete, deixou barba crescer à moda do imperador dom Pedro I. Está com vontade de ver cumpridas aquelas idéias “que defendíamos nas praças públicas, de algumas modificações, sobretudo na ordem econômica, que combatíamos, injusta ao povo brasileiro” (aplausos contidos).

Itamar sabe o estrago de que é capaz um Carnaval. Ele próprio foi envolvido na folia, num dia (aliás, numa noite) em que, no exercício da Presidência da República, se deu à folga de brincar num camarote cheio de paparazzi por perto. Despertou a polêmica das calcinhas (lembram-se?) e, de quebra, a da ingestão de bebida alcoólica por autoridade pública em público lugar.

Espera-se que o Planalto não dê muita importância ao que fazem os carnavalescos. Às vezes não contam muito, a não ser nos dias de folia. Mas eles, como os artistas, a imprensa e todas as classes criadoras, faladoras e, por isso, freqüentemente incomodativas, precisam ter liberdade para desenvolver seu trabalho. Que, pelo menos, não perca tempo tentando censurar ou dirigir, mas reúna todo o esforço possível e toda a energia disponível para realizar, construir, cumprir compromissos.

O único espetáculo que ao governo é dado dirigir é o prometido espetáculo do crescimento – aquele defendido em praças públicas, referido por Itamar e seu topete, este mesmo reafirmado não faz muito, já investido do poder. Mas cadê? A bússola do presidente precisa apontar para onde queremos ir.

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