A busca da impunidade

A história da vida política brasileira não registra senão impunidade para os nossos parlamentares, mesmo quando praticam crimes comuns. Já crimes contra os interesses e recursos públicos são praticados por atacado, quase todos os dias e por um grande número de deputados, senadores e vereadores. Até a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar denúncia da Procuradoria Geral da República contra quarenta mensaleiros, tudo passava batido. O mandato era garantia de impunibilidade. Pois essa histórica tomada de posição do Supremo acaba de ensejar uma busca de impunidade por vias transversas. O deputado federal Ronaldo Cunha Lima, tucano da Paraíba, renunciou na semana passada ao seu mandato parlamentar porque seria julgado pela corte suprema nesta semana. Com isso, o deputado fingiu renunciar ao foro privilegiado para ser julgado ?como um igual que sempre fui?, como declarou, na Justiça comum, ou seja, num júri montado em sua terra natal.

Cunha Lima, quando era governador da Paraíba, em 1993, entrou num restaurante e atirou em Tarcísio Burity, ex-governador. Burity sobreviveu ao atentado e teria perdoado Cunha Lima antes de morrer, em 2003, segundo o próprio criminoso. Passaram-se quatorze anos sem que Cunha Lima fosse julgado no foro privilegiado, ou seja, no STF. É que vigiu por muito tempo a norma de que a Justiça só poderia julgar um parlamentar com licença da Casa legislativa à qual pertencesse. E, aí, o espírito corporativo falava mais alto. A permissão nunca era dada.

Cunha Lima já tem mais de setenta anos de idade, está impune há quatorze anos e a sabida lentidão de nossa Justiça certamente fará com que, lá na Paraíba, o novo julgamento possa demorar mais alguns anos. E, assim, a impunidade continuará.

O ministro Joaquim Barbosa, do STF, o mesmo que fez o relatório dos mensaleiros, marcando sua presença na corte suprema como um magistrado de alta competência, inteligência e respeito, criticou a decisão de Ronaldo Cunha Lima, que é pai do atual governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, também do PSDB. Na opinião do ministro, o tucano fez de tudo para escapar ao julgamento. ?É preciso acabar com o foro privilegiado. Esse homem (Ronaldo) manobrou e usou de todas as chicanas processuais por quatorze anos para fugir do julgamento. O ato dele (renúncia) é um escárnio para com a Justiça brasileira em geral e o Supremo em particular?, afirmou o ministro. Reconheceu que o deputado tem o direito de renunciar, ?mas é evidente que há segunda intenção?.

O ato covarde do deputado renunciante fez com que senadores o elogiassem por mais de uma hora e apoiassem a sua atitude. Foram senadores tanto da oposição quanto da base de apoio ao governo, o que demonstra que a falta de comportamento ético é um mal que agrada a gregos e troianos.

O ministro Joaquim Barbosa entende que a correção do julgamento depende da coragem dos magistrados. ?Espero que haja juízes corajosos e independentes na Paraíba para julgá-lo?, disse.

Não obstante a renúncia de Cunha Lima seja mais uma chicana, uma manobra em busca da impunibilidade, como acentuou o ministro Barbosa, é de se registrar que este fato vergonhoso pelo menos é um indício de que as coisas estão mudando. Os nossos parlamentares, dentre os quais não são poucos os que se acobertam em seus mandatos para não serem processados, já estão se convencendo de que as coisas estão mudando. Depois da sessão histórica do STF em que aceitou denúncia contra os mensaleiros, já lhes parece evidente que a impunidade permanente, total e irrestrita que sempre gozaram caminha para um fim. Um final que expurgue do nosso meio político muitos dos malfeitores que nele se escondem fugindo da polícia, da Justiça, da cadeia.

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