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O Supremo Tribunal Federal está prestes a retomar, quem sabe pela última e decisiva vez, o julgamento de uma das mais controvertidas e importantes questões jurídico-tributárias dos últimos anos: a inclusão ou não do valor do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) dentro da base de cálculo das contribuições sociais ao PIS e COFINS. Essas contribuições oneram a receita/faturamento das empresas no Brasil e sua arrecadação financia a seguridade social.

A polêmica será resolvida pelo STF na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º 18/2007, proposta pelo governo para defender a inclusão do ICMS, com base na Lei n.º 9.718/1998. Há outro julgamento em curso sobre o tema, mas sob a ótica da legislação anterior (LC n.º 70/1991): o recurso extraordinário n.º 240.785-2/MG(1).

A proximidade de um julgamento definitivo do STF abriu uma verdadeira corrida das empresas interessadas em recuperar valores pagos indevidamente a título de PIS e COFINS sobre o ICMS (nos últimos 5 ou até 10 anos), pois havendo decisão favorável aos contribuintes, os ministros poderão decidir pela modulação de seus efeitos, autorizando a restituição apenas às empresas que já possuam ações em trâmite.

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Expliquemos a questão. As contribuições ao PIS e Cofins incidem sobre o faturamento com as vendas de mercadorias, como prevê a Constituição Federal de 1988, que autoriza a União a instituir tais contribuições sobre o “faturamento” das empresas.

O faturamento é uma manifestação de riqueza própria dos contribuintes, que o auferem com suas vendas. Ocorre que o governo federal insiste em incluir dentro do faturamento tributável o valor do ICMS destacado nas notas fiscais de vendas, que é repassado nos preços para depois ser pago aos Estados pela própria empresa vendedora.

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Ou seja, o governo quer tributar todo o valor recebido pelo comerciante com suas vendas, ainda que parte desse valor corresponda ao valor do ICMS que terá de ser pago por ele.

A exigência do Fisco resulta em “tributo sobre tributo”, desconsiderando-se, no caso das contribuições ao PIS e COFINS, que sua base de cálculo só pode compreender o faturamento próprio do comerciante, e não outros ingressos financeiros que representam o pagamento de outro tributo, como é o ICMS.

A discussão já se arrasta por anos no Judiciário, e já tivemos oportunidade de explicá-la com todo o rigor técnico em diversos trabalhos publicados anteriormente, em especial em nosso livro intitulado “Contribuições PIS/Pasep e COFINS”(2).

Existem muitos ângulos de análise, mas o que desejamos fazer no presente artigo é apenas rebater um dos principais argumentos apresentados pelo governo federal na ADC n.º 18/2007, qual seja, o de que a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins não é válida porque implicaria em revolucionar o sistema tributário nacional, autorizando indevidamente que o valor de diversos outros tributos passe também a ser excluído da base de cálculo de outros tributos, sobreposição essa que podem ocorrer de fato naqueles casos em que mais de um tributo incida sobre a mesma base econômica.

Essa redução indevida seria ocasionada pela exclusão recíproca do valor de tributos que incidam sobre as mesmas bases econômicas, a começar pelo próprio ICMS, que é calculado “por dentro” da operação de venda e leva em conta seu próprio valor, o que já foi julgado legítimo pelo STF.

Para o governo, a “incidência do ICMS sobre ele mesmo” seria fundamento para também julgar-se constitucional a inclusão do ICMS na base de PIS e Cofins. Vero equívoco. De início, note-se que o ICMS não incide sobre ele mesmo. Além disso, as contribuições ao PIS e Cofins são tributos distintos do ICMS.

Disso temos que a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins não implica em considerar-se vedada qualquer inclusão do valor financeiro de um ônus tributário dentro da base de todo e qualquer tributo.

A tese não se aplica a outros tributos, pois discute apenas o conceito constitucional de “faturamento” previsto no arts. 195 e 239 da Constituição Federal, base para incidência da Cofins e do PIS, respectivamente.

Esse conceito traduz-se em auferir riqueza própria como resultado das vendas, o que exclui o valor do ICMS destacado nas notas fiscais de venda, pois é valor que não é auferido pelo comerciante, e sim repassado aos Estados, destinatários do ICMS pago em primeira mão pelo adquirente/consumidor das mercadorias.

O governo tenta justificar a inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins alegando se tratar de mero reflexo de uma característica própria desse imposto estadual, que, por injunção legal, se inclui na sua própria base de cálculo, juntamente com o valor da operação de venda da mercadoria. Isso refletiria no PIS e na Cofins.

Assim dispõe o art. 13, §1.o, I, da LC n.º 87/1996 para o ICMS: “Art. 13. […]. §1.o Integra a base de cálculo do imposto, […]: I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque [na nota fiscal] mera indicação para fins de controle […]”.

Para o governo, o valor do ICMS seria indissociável da receita (“faturamento”) auferida com a operação de circulação da mercadoria. Isso porque a base de cálculo do ICMS – a “operação tributável” – corresponderia ao valor da mercadoria acompanhado do valor do próprio ICMS (previamente orçado).

Mas tal argumento nos parece equivocado, por confundir regimes jurídicos distintos: o do ICMS e o das contribuições ao PIS e Cofins, desconsiderando os conceitos constitucionais de “faturamento” e “receita”, balizadores dessas contribuições.

Importa perceber a distinção entre a hipótese de incidência do ICMS, que aponta o fato “realizar operações relativas à circulação de mercadorias”, e a hipótese de incidência das contribuições ao PIS-faturamento e Cofins-faturamento, que colhem o fato “auferir receita da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços”(3).

Tendo em mira tal distinção, observamos que o cálculo do ICMS, conforme o art. 13, §1.o, I, da LC n.º 87/1996 determina, faz o próprio ICMS compor “x %” (alíquota) do valor do negócio jurídico do qual decorra a saída da mercadoria, ou seja, o ICMS acaba compondo “x %” do “preço pago pelo adquirente”.

O Supremo Tribunal Federal entendeu tal mecanismo como constitucional no julgamento plenário do RE n.º 212.209-2/RS, no qual a maior parte dos ministros reconheceu que o ICMS incide sobre “operações relativas à circulação de mercadorias” e não apenas sobre “mercadorias”(4).

Mas não ocorre o mesmo em relação ao PIS e à COFINS, pois tais incidências devem representar “x %” (alíquota) da “receita própria auferida com a venda da mercadoria”, não sendo viável incluir, nessa base de cálculo, o ICMS sobre a venda, sob pena de serem desvirtuados os conceitos constitucionais de “faturamento” e “receita”.

É preciso reconhecer que o núcleo da hipótese de incidência do ICMS (realizar operações relativas à circulação de mercadorias), é diverso do núcleo da hipótese de incidência das contribuições ao PIS-faturamento e Cofins-faturamento (auferir receita da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços).

Essa constatação nos auxilia a perceber que o fato de a legislação do ICMS (art. 13, §1.o, I, da LC n.º 87/1996) determinar que o mesmo imposto seja calculado “por dentro” na operação de venda de mercadorias não nos permite inferir que o imposto componha o “faturamento” ou a “receita” da pessoa jurídica vendedora.

Não precisamos sequer questionar a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo dele mesmo. Ela já foi reconhecida legítima pelo STF e não interfere na presente análise porque possui outros fundamentos constitucionais.

Ao contrário do que o governo sustenta, a base de cálculo “por dentro” do ICMS não torna válida sua inclusão na base de cálculo das contribuições ao PIS e Cofins.

A discussão da ADC n.º 18 vale pelo menos 60 bilhões de reais, conforme alguns dos levantamentos realizados pelo poder público, que insiste em usar o argumento financeiro para convencer os ministros do Supremo a julgar favoravelmente ao governo federal.

O argumento é falacioso: basta considerar que qualquer quantia a ser paga pelo governo diante do eventual julgamento favorável à tese dos contribuintes representa um valor indevido aos cofres públicos, já que foi cobrado em desacordo com a Constituição.

É justo aos contribuintes pleitear a devolução dos valores pagos a maior a título de PIS e Cofins no caso, sob pena de placitar a chamada “inconstitucionalidade útil”.

Ela representa a idéia de que ao governo é vantajoso cobrar tributo inconstitucional, pois, das duas uma: ou o contribuinte pagará sem recorrer ao Judiciário (em face da ignorância, dos custos ou da incerteza); ou, mesmo que recorra e ganhe a causa, o julgamento não permitirá a recuperação dos valores porque implica em “prejuízo” aos cofres públicos.

Entretanto, os cofres públicos não podem guardar dinheiro sem causa, fruto da ilegalidade. O poder de tributar se iguala ao poder de destruir quando o tributo vai contra os limites constitucionais, que protegem a propriedade e a liberdade dos cidadãos.

Enfim, esperamos que o Supremo reconheça que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS não causa a “revolução tributária” alarmada pelo governo. Trata-se, pelo contrário, de preservar o sistema constitucional tributário brasileiro.

Notas:

(1) Neste caso o STF já está inclinado a julgar favoravelmente aos contribuintes. A causa se limita à exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins, no período de vigência da LC n.º 70/1991.

(2) PETRY, Rodrigo Caramori. Contribuições PIS/Pasep e Cofins: limites constitucionais da tributação sobre o ‘faturamento’, a ‘receita’ e a ‘receita operacional’ das empresas e outras entidades no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

(3) Lembramos que existem outras hipóteses de incidência para COFINS e PIS, que não vamos explorar aqui, pois não interferem em nossa análise.

(4) Na ocasião, o voto vencedor do Ministro Nelson Jobim focalizou o fato de o imposto ICMS gravar as “operações”, ou seja, os negócios jurídicos, por meio dos quais é viabilizada a circulação da mercadoria, o que tornaria mais claro que o ICMS deveria fazer parte da própria operação e não somente do valor da mercadoria.

A incidência do ICMS sobre “operações” deixaria também explícito que o ICMS comporta necessário repasse econômico ao adquirente das mercadorias, ou seja, o ICMS compõe o preço a ser pago pelas operações que viabilizam a circulação das mercadorias. (STF, Pleno, RE n.º 212.209-2/RS, Relator o Ministro Marco Aurélio, Redator para acórdão o Ministro Nelson Jobim, j. por maioria em 23/06/1999, DJU em 14/02/2003).

No mesmo sentido: STF, 2a Turma, AgReg no AI n.º 397.743-8/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, j. unânime em 14/12/2004; STF, 2.a Turma, AgReg. RE n.º 358.911-3/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, j. unânime em 13/12/2005, DJU em 07/04/2006.

Rodrigo Caramori Petry é mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Professor, Advogado e Consultor Tributário em Curitiba-PR

rcp@rodrigopetry.com.br