A banalização dos direitos humanos

Autor de mais de 200 obras e catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, o professor José de Oliveira Ascensão deixou em Curitiba, na semana passada, onde esteve para proferir conferência na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sobre Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e o novo Código Civil, um estudo sobre Direitos Humanos no Tratado de Amizade Luso-Brasileiro, firmado entre Brasil e Portugal. O documento recebeu críticas por não ter dado mais espaço sobre os direitos humanos, fazendo apenas uma rápida referência, “o desenvolvimento econômico, social e cultural alicerçado no respeito dos direitos e liberdades fundamentais, enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Teria sido omissão? Não, na sua opinião, porque Brasil e Portugal participam de uma mesma visão fundamental do mundo e da vida. A idéia que têm dos direitos humanos é basicamente comum e as proclamações que deles fazem nas leis fundamentais são as adequadas”. Para Ascensão, direitos humanos não se protegem melhor com a multiplicação das declarações e com a ampliação do seu âmbito. “De declarações estamos já fartos, sobretudo quando as vemos tomar o lugar das ações. E o empolamento dos direitos humanos apenas os banaliza”.

Para o professor ,que é presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito de Lisboa, os direitos verdadeiramente fundamentais confundem-se com outros mais duvidosos e a expansão destes acaba por fazer à custa do lugar dos primeiros. Segundo ele, a atitude tomada pelos signatários do Tratado de Amizade Luso-Brasileiro foi muito mais sensata que a da União Européia, ao aprovar uma Carta dos Direitos Fundamentais, que sobrepõe à Convenção Européia dos Direitos do Homem, às proclamações constitucionais de cada país-membro e às declarações mundiais. A verdade é que os países comunitários são caracterizados por um muito elevado nível de proteção dos direitos humanos. A eleboração da Carta, qualquer que seja o grau de vinculatividade que lhe estiver associado, representa um desperdício de energias sem contrapartida, a não ser em obscuros jogos de poder. A estranha realidade é de uma Carta dos direitos humanos cujo objetivo não é o reforço da defesa dos direitos humanos, observa José de Oliveira Ascensão.

“Na realidade, avança o mestre, o importante é saber qual a base que se outorga aos direitos fundamentais. Num entendimento positivista, essa base é sempre frágil. Se são fruto da lei, qualquer nova lei os pode afastar”. Portugal e Brasil participam porém duma cultura que dá aos direitos humanos uma densidade muito maior que à que resulta meramente da sua positivização. Basta pensar no que respeita a pena de morte; ou fazer a comparação com culturas orientais, por vezes muito merecedoras de admiração, mas em que a idéia-base de dignidade do homem recebe um entendimento muito mais limitado. Por outro lado, ensina ele, isso evita desvios, como seria uma visão mais estática dos direitos humanos. Esta estaria na origem da concepção norte-americana dos direitos fundamentais, que surgiam essencialmente como uma defesa perante o poder. Mas a noção fundamental da dignidade humana leva-nos muito além. Não há que pensar os direitos humanos como um cercado egoísta que nos defende e dessolidariza dos outros. A dignidade humana é dinâmica, assenta na capacidade de o homem se construir espiritualmente, ser artífice na sua própria realização. E isso tem necessária repercussão na moldagem dos direitos humanos, porque o espírito é muito diferente”.

Autor de livros sobre Direitos Reais e Direitos das Sucessões, Ascensão conclui que a realização da pessoa não está no que tem; não está no que repele; não está em fechar-se. Direitos como o direito de estar só, se não entendidos substancialmente, representam quando muito aspectos instrumentais. A suprema realização do homem está no que dá, podendo consumar-se com os sacrifícios mais extremos. É esta a visão que deve preservar-se, num tempo em que a pessoa se vai perigosamente confundindo com a categoria do consumidor. Os direitos humanos ocupam em qualquer caso uma posição cimeira. Nada tem por isso de surpreendente que, não havendo no Tratado capítulo sobre direitos humanos, eles se manifestem em vários pontos”.

Arnoldo Anater

é jornalista é bacharel em Direito.

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