Dante D?Aquino

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O movimento industrial, que surgiu inicialmente na Inglaterra do séc. XVIIII e, após, espalhou-se por toda Europa continental, gerou profundas alterações no processo de produção de bens e riquezas. Ao longo desse movimento, que ficou conhecido como revolução industrial, o modo de produção manufatureiro foi substituído pela automação e pela geração de produtos em alta escala (produção em série). A relação capital/trabalho alterou-se significativamente, passando a haver relações contratuais entre nações distintas, representadas por suas empresas, constituídas na forma de pessoas jurídicas, produzindo o conhecido fenômeno da cultura de massa.

Com o desenvolvimento da globalização, na passagem do séc. XX para o séc. XXI, e com o incremento da chamada ?sociedade de risco global?, conceito utilizado pelo sociólogo germânico Ulrich Beck(1) para denotar esse movimento global de integração econômica, social, cultural e política, percebeu-se que a atividade empresária, através de pessoas jurídicas, passou a ter grande importância nas novas configurações sociais, demandando, inclusive, para alguns doutrinadores como Klaus Tiedemann(2), uma releitura do antigo brocardo – societas delinquere non potest.

Com o fenômeno da globalização aliado à rede única de comunicação eletrônica mundial, a atividade empresarial percebeu forte impulso em sua forma de produção, negociação e organização das sedes e filiais corporativas. A atividade empresaria passou, deste modo, independentemente de sua sede física, a ter reflexos econômicos determinantes na vida social, por estar diretamente ligada à geração de empregos, circulação de riquezas, desenvolvimento, arrecadação de impostos, etc.

O incremento na produção industrial decorrente da atividade empresária despertou, e continua despertando, enorme interesse por parte do Estado, que busca, a olhos vistos, embaraçar a elisão fiscal e o planejamento tributário das pessoas jurídicas. Desta forma, a atividade empresária tem gerado, por parte do ente público, excessiva regulamentação em âmbito administrativo, tributário, econômico e, por fim, criminal. Este excesso regulamentador pode ser notado, por exemplo, pela promulgação de uma Carta Constitucional prolixa, extremamente analítica, em que a própria atividade empresária está disciplinada, bem como as hipóteses e formas de intervenção do ente público na economia, a fim de regulamentá-la.

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Com efeito, a regulamentação estatal da atividade empresária não se limitou a disciplinar a celebração de contratos entre as pessoas fictas, mas, concomitantemente, produziu grande inflação legislativa, refletindo-se na esfera criminal. Neste particular, infere-se do Estado a tentativa, em grande parte exitosa, de se trazer à proteção penal – sob a cominação de uma pena – a pessoa jurídica, edificando-se um direito penal para proteção de bens jurídicos supra-individuais. Colhe-se, por exemplo, do artigo 173, § 5.º e 225 § 3.º, ambos da Carta da República, a manifesta intenção de responsabilidade criminal das pessoas jurídicas.

Hodiernamente, todo esse processo de inflação legislativa penal e ingerência do Ente Público nas relações econômicas têm levado a dogmática penal a dedicar largas horas à discussão sobre o surgimento e desenvolvimento do denominado direito penal econômico. Entretanto, é de bom alvitre deixar registrada a ressalva realizada Carlos Martinez Buján Pérez quanto a essa nomenclatura – direito penal econômico -, no sentido de que ?quando a doutrina utiliza as expressões ?direito penal econômico?, ?direito sócio-econômico?, ?direito penal da economia? ou outras similares, não tem pretendido referir-se a um direito penal distinto, senão uma simples qualificação fixada sobre a peculiar natureza do objeto que se pretende tutelar?(3).

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O fato é que o surgimento de um direito penal que pretende tutelar bens jurídicos supra-individuais de conteúdo econômico deu origem a um assombro a que Jesus-María Silva Sanchez, criticamente, tem denominado de ?a expansão do direito penal? ou ?direito penal de segunda velocidade?(4), que se legitima a partir de um discurso de proteção de bens jurídicos supra-individuais de conteúdo econômico, como as relações de consumo, a ordem econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, etc.

Entretanto, a legitimação desse direito penal esbarra na concepção constitucional do Estado Democrático, visto que nesta forma de Estado deve, o direito penal, orientar-se pela mínima incidência, cuja atuação só se legitima quando nenhum outro ramo do direito puder bem proteger o bem jurídico visado. Numa palavra, o direito penal econômico, nos moldes como hoje vem se desenvolvendo, olvida o caráter fragmentário do direito penal, primitivamente enunciado por Karl Binding.

Notas:

(1)  BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo global. Espanha,Madrid: Siglo XXI de Espana Editores S/A, 2002, p. 4.

(2)  TIEDEMANN, Klaus: La Armonización del derecho penal em los estados miembros de la unión europea. Trad. de Manuel Câncio Meliá. Universidad Externado de Colômbia. Colômbia, Bogotá:1998, p. 18. Nesse texto, Klaus TIEDEMANN reforça a idéia de responsabilização criminal da pessoa jurídica, já trabalhada em suas outras obras.

(3)  BUJÁN PÉREZ, Carlos Martínes. Derecho penal econômico: parte general. Espanha. Valência: Tirant Lo Blanc

(4)  SANCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luis Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002, p. 144.

Dante D?Aquino é professor de Direito Penal da Universidade Tuiuti do Paraná. Professor de Processo Penal do Curso Prof. Luiz Carlos. Especialista em Direito Constitucional com linha de pesquisa em Processo Penal. Mestrando em direito penal empresarial pela Faculdade de Direito de Curitiba – Unicuritiba. Advogado.