O Código Civil de 2002 inovou ao permitir que os cônjuges, mesmo após o casamento, possam optar por outro regime de bens que não o eleito no momento da realização do matrimônio. É a regra presente no § 2.º, do artigo 1.639, do Código Civil.

Até então, o direito brasileiro valia-se do princípio da imutabilidade do regime de bens, resultando no engessamento dos efeitos patrimoniais do regime escolhido quando da realização do casamento.

Diante da nova realidade social, premiada pela emancipação feminina e a inserção da mulher no mercado de trabalho, contribuindo esta nova mulher, de forma efetiva, para o aspecto econômico das relações familiares – a exemplo dos encargos com a filiação e a aquisição de patrimônio – não fez mais sentido ao legislador a manutenção de uma rígida tutela relativa à irrevogabilidade do regime de bens do casamento, que visava, essencialmente, a proteção da mulher frágil presente na realidade da família patriarcal e hierarquizada do século passado.

A mutação desta realidade permitiu e exigiu a reconstrução da ordem jurídica e este reconstruir remontou os papéis desempenhados dentro das famílias – pelos homens e pelas mulheres – ensejando a elaboração de novas regras da vida conjugal.

Neste novo regramento está presente a confiança do legislador na autonomia e liberdade das pessoas e, neste sentido, o poder de livre decisão sobre os aspectos pessoais e patrimoniais é enaltecido pelo novo Código Civil ao permitir que os casais possam alterar os efeitos patrimoniais de seu casamento modificando o regime de bens, decidindo por outro diverso daquele optado no momento do ato.

É de se salientar, num primeiro momento, que à luz do princípio constitucional da igualdade, esta nova dimensão do aspecto patrimonial do casamento contempla tanto os casamentos realizados sob a égide do Código Civil de 1916 quanto, evidentemente, os realizados após 11 de janeiro de 2003, data de vigência do novo Código Civil.

O pedido de alteração do regime de bens deverá obedecer aos requisitos exigidos pelo § 2.º, do artigo 1.639, do Código Civil, sendo importante destacar que este direito fica vetado para as pessoas que estão casadas ou que vierem a casar sob o regime da separação obrigatória de bens, já que nesta hipótese não há por parte dos cônjuges, no momento do casamento, uma opção propriamente dita pelo regime, mas se trata de uma imposição legal em decorrência da situação subjetiva em que se encontra, pelo menos, um dos contraentes, a exemplo do casamento de pessoas com mais de 60 anos ou de nubentes que necessitem de suprimento judicial para casar. Vale dizer com isto que uma vez casados sob o regime da separação legal – antes ou depois do Código Civil de 2002 – não poderão os cônjuges valer-se do disposto no § 2.º, do artigo 1.639, do Código Civil.

A regra permissiva, portanto, está voltada para os casamentos realizados sob os regimes da comunhão universal, comunhão parcial e separação absoluta convencional e tem como requisitos cumulativos os seguintes aspectos: (a) autorização judicial; (b) motivação relevante; (c) ressalva de direito de terceiros.

Devem os cônjuges requerer, em conjunto, pedido de alteração do regime de bens do seu casamento perante o Juízo de Direito da Vara de Família de seu domicílio, não sendo admitido suprimento judicial para a hipótese de recusa do cônjuge recalcitrante. Este pedido deve ser acompanhado de minuciosa descrição de bens comuns e particulares, sempre que houver, já sendo definido pelo marido e pela mulher a respectiva titularidade, notadamente nas hipóteses dos regimes de comunhão, seja parcial ou total. Recomenda-se, pois, que seja feita uma partilha do acerco até então adquirido, dividindo-se ativo e passivo para a ressalva de direitos de terceiros e proteção dos interesses patrimoniais dos próprios cônjuges, registrando-se, inclusive, a alteração do regime perante os Registros de Imóveis onde estejam matriculados os bens do casal.

A motivação que deve constar do pedido consubstancia-se não em um mero desejo dos cônjuges, mas sim em uma relevante justificativa para a alteração do regime de bens, a exemplo de má gestão financeira de um cônjuge que pode por em risco o patrimônio comum do casal, em prejuízo ao outro cônjuge.

Ainda como requisito, importante destacar a proteção aos terceiros, que não poderão ser prejudicados com a alteração do regime de bens, hipótese esta que poderia ser vislumbrada, em determinadas situações, com o esvaziamento patrimonial do devedor em evidente prejuízo ao credor. Assim, a regra a ser observada é de que a mudança de regime de bens possui efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão que a concede, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos realizados até então por qualquer dos cônjuges.

Deverá intervir no pedido de alteração de regime de bens o Ministério Público e a sentença será averbada no cartório de registro civil perante o qual os cônjuges casaram.

Respeitados todos estes requisitos, é de se elucidar que a mutabilidade do regime de bens no curso do casamento é uma significativa alteração nas regras patrimoniais do casamento, devendo sempre ser realizada com muita cautela para evitar que sua utilização se torne um instrumento de fraude a credores e aos próprios cônjuges, desvirtuando-se de seu propósito fundante que é enaltecer a liberdade e a autonomia dos cônjuges no exercício da comunhão plena de vida.

Maria Christina de Almeida é advogada, doutora em Direito pela UFPR, professora de Direito Civil da Unibrasil, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM, seccional Paraná.

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