A alienação fiduciária e a prisão do devedor

A Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5.º, inc. LXVII, estabelece como direito e garantia fundamental do cidadão, que não haverá prisão civil por dívida, com exceção daquelas decorrentes da pensão alimentícia e do depositário infiel, mas, mesmo assim, somente quando o inadimplemento dessas obrigações, forem ?voluntárias e inescusáveis?, ou seja, sem justificativa suficiente.

Sem adentrar à questão do devedor de pensão alimentícia, interessa-nos a análise da situação do devedor em contrato de alienação fiduciária.

A alienação fiduciária é um contrato pelo qual o credor, geralmente um banco, financia a aquisição de um bem, como p. ex: um automóvel, um trator, uma máquina industrial, etc., em razão do interesse do devedor, que por conta disto recebe ?em confiança? a posse do bem, até que liquide o financiamento, quando então passa a ser o legítimo proprietário.

Caso ocorra o inadimplemento das prestações do financiamento, o credor-fiduciário está autorizado a ingressar com a busca e apreensão do bem, para vendê-lo e quitar a dívida, afinal seria o ?proprietário? do referido bem.

O problema surge, quando ocorre o atraso no financiamento e o bem financiado não é encontrado com o devedor, frustrando a busca e apreensão. Surge daí, para o credor, a possibilidade conferida pelo Decreto-Lei n.º 911/69, de se considerar o devedor depositário infiel do bem, e como tal, sujeito à prisão civil, até que entregue o mesmo, ou efetue o pagamento do débito.

Apesar de existir a previsão legal da prisão, a jurisprudência de um modo geral, vem afastando essa possibilidade por entender que, efetivamente, não há um verdadeiro contrato de depósito na alienação fiduciária, muito menos, propriedade do credor-fiduciário.

Com efeito, contesta-se a qualidade de proprietário do credor-fiduciário, vez que, ao retomar o bem através da busca e apreensão, não pode permanecer com ele, mas deve vendê-lo para terceiros, e o preço obtido, também não lhe pertence, somente o suficiente para saldar o financiamento, sendo que, eventual saldo remanescente deve ser restituído ao devedor, o que não ocorreria caso fosse o legítimo proprietário, pois poderia, sem problema algum, permanecer com o bem, ou o seu preço.

Evidenciado que o credor fiduciário não é o proprietário do bem, não pode ele dar a coisa em depósito, que exige essa circunstância para sua configuração. Ademais disso, o contrato de depósito não se constitui porque a obrigação do devedor não é de restituir a coisa, mas sim, o pagamento do débito, que elimina a hipótese de restituição.

Na verdade, o que o Decreto-Lei n.º 911/69 fez, foi uma ?equiparação? daquilo que não pode ser equiparado, somente para autorizar a cobrança de dívida, com ameaça de prisão, o que é vedado constitucionalmente e, portanto, uma ilegalidade, que autoriza o ingresso de habeas corpus para ensejar o salvo-conduto do devedor fiduciário.

Marcione Pereira dos Santos é advogado, professor universitário em Maringá e Cascavel, com mestrado em Direito Civil pela UEM.

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