?No dia 10 de outubro de 1957, cerca de 6.000 colonos tomaram a sede do município de Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná. Vinham em caminhões, carroças, a cavalo ou a pé. Todos armados. Com foices, velhos revólveres, espingardas de caça, enxadas e pedaços de pau. Concentraram-se na Praça da Matriz, onde numa casa de esquina ficava a estação de rádio local, transformada em centro de operações. A delegacia e a prefeitura foram tomadas, o prefeito e o delegado fugiram. O Juiz de Direito foi colocado em prisão domiciliar e o Promotor Público ficou sob a custódia do Exército até receber autorização para sair da cidade. Numa reação em cadeia, outros municípios foram tomados. Em Pato Branco, já no dia 9 de outubro, foi constituída uma comissão de representantes de todas as facções políticas denominada Junta Governativa, pela imprensa. Os colonos foram chamados para a cidade, cujos pontos estratégicos foram guarnecidos: as principais vias de acesso, pontes, instituições públicas, estação de rádio, etc?.

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Este o início da introdução do livro da professora Iria Zanoni Gomes 1957. A Revolta dos Posseiros (Criar Edições, 124 págs., 1986), originalmente apresentado como dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo. Estudo magnífico sobre a ocupação daquela região, a questão legal da terra, histórico da disputa pelas terras, a intensificação do processo de violência das companhias de terra, jagunços e polícias civil/militar contra os colonos, a resistência e a luta dos trabalhadores. Não se trata de apenas uma excelente obra acadêmica, mas de um relato testemunhal e documental de grande valia. Sustentado por extensa bibliografia, é obra fundamental no conhecimento da história da luta dos trabalhadores em nossa terra.

Projeto comemorativo

Relembro esta obra face o trabalho agora desenvolvido pelos deputados federal e estadual paranaenses, oriundos daquela região, ambos do Partido dos Trabalhadores, Assis do Couto e Luciana Rafagnin, na construção do projeto comemorativo dos 50 anos da Revolta dos Colonos que acontece em 2007. Eis a nota encaminhada à imprensa pela assessora do deputado Assis do Couto, jornalista Clarita Guimarães, que dá conta da importante iniciativa:

?Foi confirmado o apoio do Ministério da Cultura ao projeto comemorativo dos 50 Anos da Revolta dos Colonos, que acontece em 2007, no Paraná. O ministro em exercício, Jucá Ferreira, representou o ministro Gilberto Gil na audiência realizada em 14 de dezembro, em Brasília. O encontro reuniu a secretária da Cultura do Paraná, Vera Mussi, o secretário nacional da Agricultura Familiar, Valter Bianchini e os deputados petistas Assis do Couto (federal) e Luciana Rafagnin (estadual). ?Há interesse sim. É preciso resgatar os diferentes fatos históricos para podermos promover cada vez mais a descentralização da história do Brasil?, afirmou Ferreira. Para que o projeto saia do papel, será firmada uma parceria entre o Ministério, a Secretaria da Cultura do Estado, organizações da agricultura familiar e o campus da Unioeste de Francisco Beltrão, com o aval dos deputados. E foi durante a reunião que ficou confirmada a participação de mais um ator na parceria: o Ministério do Desenvolvimento Agrário, através da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF). Para o secretário Bianchini a agricultura colonial faz parte de um capítulo recente da história do Paraná, sobretudo do sul do estado. ?Temos certeza que à medida em que começarem os trabalhos, haverá outros desdobramentos no projeto?, destaca. Da parte dos parlamentares, já foi encaminhada pelo deputado Assis uma emenda individual ao Orçamento de 2007, destinando R$ 200 mil para o projeto, que inclui uma série de ações, como elaboração de material gráfico, eventos e produção de audiovisuais. O representante do ministro reforçou a disposição em trabalhar junto à Casa Civil para garantir a liberação do recurso federal. A deputada Luciana reforçou a importância da ação, bem como da participação das organizações no projeto.Ficou para fevereiro um novo encontro em Brasília para acertar os detalhes do projeto, como calendário comemorativo e a agenda de trabalhos. Para este momento serão convidadas as demais organizações parceiras, que são a Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural Assesoar a Associação do Centro de Educação Sindical Acesi a Central Cresol Baser e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste, bem como os historiadores Daniel Martins, Juliano Spader, Paulo Duarte e Rodrigo Ribeiro, autores do projeto que inspirou esta movimentação?.

22.ª Romaria da Terra

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No mesmo sentido, a Comissão Pastoral da Terra participará dos vários eventos comemorativos da luta dos camponeses do sudoeste. A decisão é de que a Romaria da Terra assinale a data de modo a propiciar a ampla presença de todas as comunidades. Assim, a 22.ª Romaria da Terra do Paraná será realizada na Diocese de Palmas/Francisco Beltrão no dia 19 de agosto de 2007. Eis a notícia divulgada pela CPT, datada de 26 de dezembro: ?No próximo ano comemoram-se os 50 anos da Revolta dos Colonos realizada na região sudoeste do Paraná no ano de 1957. Contrários à política de ocupação da região, que privilegiava as grandes empresas colonizadoras em detrimento do direito de posse das terras ocupadas historicamente por caboclos e pelos imigrantes de origem européia (em sua maioria vinda do Rio Grande do Sul e Santa Catarina), os posseiros da região organizaram um levante popular que culminou com a expulsão das companhias colonizadoras e garantiu a posse da terra aos pequenos proprietários que ocuparam a região. Na lembrança desta data, a CPT convida todas as comunidades, organizações e movimentos sociais a celebrar na próxima romaria a resistência e a mobilização social do povo do campo no Paraná. A partir da memória dos 50 anos da Revolta dos Colonos queremos celebrar as diversas lutas dos camponeses paranaenses, começando com a pergunta: por que os posseiros de 50 anos atrás de organizaram, por que se levantaram? E com isso pensar a mobilização social nos dias de hoje a força dos movimentos sociais e organizações do campo e suas diversas ações no sentido de construir um modelo agrícola/agrário pautado pelo respeito ao meio ambiente e pela valorização da pessoa humana. A região sudoeste do Paraná é historicamente marcada pela presença dos agricultores/as na dinamização da economia local. Segundo dados do IBGE, 40% (189.582) dos habitantes do sudoeste residem no campo. A presença da pequena propriedade é um outro que nos mostra a vitalidade e importância da agricultura familiar/camponesa na região. Conforme dados do Censo Agropecuário (1995/96), no sudoeste, existe um total de 47.276 estabelecimentos rurais, 43,7% dos quais (20.658) são áreas com menos de 10 ha; 53,7% (25.283) são áreas que totalizam de 10 a 100 ha. Ou seja, somando os estabelecimentos entre 10 e 100 hectares, temos 97,4%! É esta realidade que queremos celebrar na 22.ª Romaria da Terra do Paraná. Queremos fazer memória das lutas dos camponeses em defesa da terra, da água e da vida. Juntamente com o Deus da Aliança, fiel ao seu povo e animador da sua resistência, queremos celebrar as inúmeras experiências desenvolvidas pelas comunidades, movimentos e organizações na linha da educação, produção, comercialização, organização, cuidado ambiental e conquista de direitos sociais?.

A luta camponesa no Paraná

O levante dos posseiros do sudoeste faz parte das históricas lutas dos trabalhadores do campo no Paraná. Dentre tantos importantes acontecimentos – do marco fundamental que foi a Grande Guerra Camponesa do Contestado de 1912 a 1916, na região da divisa Paraná/Santa Catarina, passando pela luta pela reforma agrária com a revolta de Porecatu, no norte paranaense, liderada pela Partido Comunista do Brasil em 1947, o I Congresso Nacional do Movimento dos Sem Terra, em janeiro de 1984, em Curitiba, avançando até a mobilização atual dos trabalhadores rurais e agricultores familiares – o movimento do sudoeste se insere como um dos pontos elevados da afirmação dos homens e mulheres da terra em defesa de seus direitos e legítimos interesses. Portanto, as comemorações dos 50 anos da luta camponesa do sudoeste será parte essencial da nossa nacionalidade.

Retornemos a 1957…

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?Por imposição dos posseiros de Francisco Beltrão Dr. Walter Alberto Pécoits deverá ser nomeado delegado especial de Francisco Beltrão. As Companhias devem ser retiradas imediatamente da região. Assumindo o Governo do Estado o compromisso de que não retornarão. Devem ser demitidos o Promotor Público e o Juiz desta Comarca? (telegrama do Secretário de Segurança Pública ao Governador do Paraná, 11.10.1957, obra citada, pág.101). A nomeação imediata do médico e ex-deputado estadual pelo PTB Walter Pecoits, falecido em 2004, um dos principais líderes da rebelião, como delegado de polícia, consolida o poder imediato na cidade. Mas a revolta ainda estava longe por terminar.

Acompanhei, então como jornalista, em Curitiba, os acontecimentos do sudoeste, através da cobertura que o notável jornalista Percival Charquetti, de O Estado do Paraná, realizou na região, assim descrita por ele em uma de suas reportagens: ?É por isso mesmo que aqueles que percorrem a região paranaense do sudoeste sentem como se o estivessem fazendo através de um front cuja batalha decisiva ainda não foi travada? (O Estado do Paraná, Curitiba, 02.10.1957, obra citada, pág. 81). Em tempo: a ilustração da capa do livro citado é de uma fotografia de Osvaldo Jansen, fotógrafo de O Estado do Paraná, que esteve na região participando da cobertura jornalística.

Direitos inalienáveis

Em 1986, quando a professora Iria Zanoni Gomes publica seu livro, concluiu: ?Quando o GETSOP encerrou suas atividades, em 1973, haviam sido titulados 32.256 lotes rurais e 24.661 urbanos. Somente três ou quatro propriedades não foram tituladas porque os vizinhos não entraram num acordo. O Movimento de 57 tinha atingido seus objetivos: num primeiro momento, a expulsão das companhias de terra e, num segundo, a conquista do título de propriedade? (idem, pág.115).

A comemoração dos cinqüenta anos dos acontecimentos e das lutas dos colonos/posseiros/trabalhadores rurais e população da região do sudoeste têm um significado maior para todos nós. É o momento oportuno que, a exemplo da CPT, outras entidades se congreguem com os organizadores do movimento e possibilitem a ampla expansão do projeto em nosso Estado. Por certo, os governos federal e estadual, além dos poderes municipais, devem se incorporar decidamente. A jornada do sudoeste é um dos exemplos marcantes do que podem homens e mulheres conscientes, destemidos e organizados na luta em defesa dos seus legítimos interesses e de seus direitos inalienáveis à terra, ao trabalho e à liberdade.

Edésio Passos é advogado, ex-deputado federal e diretor administrativo da Itaipu Binacional. E.mail: edesiopassos@terra.com.br