1984: 20 anos depois

É difícil a tarefa de falar sobre algo que não aconteceu; mormente quando a admissão/introdução foi feita há 20 anos, mas lá não se estava presente. Entretanto, fica menos trabalhoso quando se tem uma perspectiva, ao menos, da relação causa-efeito, daquelas que Einstein ensinou que poderia ser prevista – e contornada! -, mas logo a mecânica quântica tratou de pôr as coisas em seus devidos lugares, com o imprevisível (ou o acaso, para os incautos); e Hayek, na economia.

É por conta dessa relação causa-efeito que se pode prever um pouco do funcionamento das coisas, dos entes – isso é ontologia, diriam alguns -, facilitando a empreitada de escrever sobre jornadas que sequer aconteceram, mas das quais já se teve notícia de seus efeitos. Eles foram – seria desnecessário dizer -, no mínimo, encorajadores; tanto que se faz, agora, a segunda edição das Jornadas de Direito e Psicanálise, realizada exatamente 20 anos atrás, cujo título é 1984: 20 anos depois. Pano de fundo é, por evidente, o famoso livro de George Orwell, primordialmente dirigido ao combate do totalitarismo.

20 anos é o tempo que um ser humano começa a querer ser. Entende uma parcela de seu mundo (e suas conseqüências) e lá vai à procura de sua afirmação, para ser alguém no mundo e cortar, pela segunda vez, seu cordão umbilical. Por fim – e logo -, descobre que o mundo não é regido por relações paternais/fraternais, mas por métodos e pragmatismos verdadeiramente parricidas/fratricidas; o Outro não é tão eu como se imagina; chegando à conclusão que deve entrar na regra do jogo. Alguns resistem.

Nas presentes jovens Jornadas, tais resistentes serão encontrados. Será percebido, desde logo, que eles mudaram, junto com o mundo. Eles, os palestrantes, muito têm a dizer, mas não Tudo, sobre o que está acontecendo, sobre o que se passou e sobre os caminhos que serão trilhados caso as causas continuem como estão; não é difícil prever que em um Estado regente, tal o Big Brother, dominado pelo estatismo Ä essa vergonha antiliberal e anti-social, onde o outro desaparece em prol do rei abstrato, que passa a ser o eu coletivo, cuja finalidade é ele mesmo, numa antinomia da qual a psicanálise talvez possa dar conta Ä, tentando fazer desapare(ser). Com ele, seus direitos, pois lhe foram concedidos e, como já se disse, podem ser tirados como que fossem favores. O efeito, portanto, é da causa, e dela, até onde der, falarão os palestrantes.

O que dizer, então, sobre o que nem foi dito ainda, senão dizendo quem são e sobre o que dirão no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFPR?

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (“O Poder Judiciário como grande irmão”, 25 mar., 10h) é professor de Direito Processual Penal e coordenador eleito do Programa de Pós-graduação da UFPR, doutor em Direito pela Universidade de Roma, doutor honoris causa pela Universidade de Pisa, atualmente o maior expoente da psicanálise voltada ao Processo Penal.

Rodrigo da Cunha Pereira (“Os restos do amor judiciário”, 25 mar., 11h) é presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, sendo o maior nome da interseção da Psicanálise com o Direito de Família do Brasil.

Albano Marcos Bastos Pepe (“Direito, democracia e pós-modernidade: democracia e/ou autonomia”, 25 mar., 18h) é filósofo, com doutorado em Filosofia do Direito, sendo um dos maiores especialistas em Jürgen Habermas e na Escola de Frankfurt no Brasil.
Carlos Maria Carcova (“Derecho, relato y realidad”, 25 mar., 18h) é professor catedrático de Filosofia do Direito na Universidad de Buenos Aires, referência mundial na Teoria Crítica do Direito e expoente da reconhecida Escola Crítica de Buenos Aires.
Jeanine Nicolazzi Philippi (“Os signos totalitários do mundo ultraliberal”, 26 mar., 10h) é professora da Faculdade de Direito da UFSC, mestre e doutora, especialista na comparação do sujeito em Direito e psicanálise e uma das grandes expoentes da interseção.

Alicia Ruiz (“Nosotros ¿somos personajes de `1984′?”, 26 mar., 10h) é a maior especialista em interseção na Argentina, sendo, atualmente, Juíza do Superior Tribunal de Justicia de Buenos Aires.

José Antônio Peres Gediel (“Quotidiano, memória e melancolia”, 26 mar., 16h), mestre e doutor, é professor de Direito Civil e vice-diretor da Faculdade de Direito da UFPR.
Hugo Mengarelli (“Algumas considerações sobre a subjetividade de hoje e as conseqüências no sujeito do desejo”, 26 mar., 16h) é argentino radicado no Brasil, professor da UFPR e um dos maiores teatrólogos da atualidade.

Mauro Mendes Dias (“Montagens do objeto olhar, na era da depressão e da anorexia”, 26 mar., 19h) é psicanalista, estando à frente da escola de Campinas. É autor de obras notáveis e tem trabalhado a interseção, com psicanálise de ponta, dissertando sobre temas dos quais – seja-se sincero – só os Outros têm conhecimento (entorpecentes, AIDS, etc).

Agostinho Ramalho Marques Neto (“De `1984′ a nossos dias: a estruturação de um mundo totalitário”, 26 mar., 19h) começou sua vida acadêmica professor de Direito Penal. Arrisco dizer que aí deve ter-se dado conta de que o Direito Penal apenas suspende os conflitos, subtraindo, de tudo, a figura mais importante: a vítima. Nisso, deve ter partido para onde está, para que os conflitos sejam resolvidos, sendo atualmente, quiçá, o maior da interseção brasileira do Direito com a Psicanálise, não sem antes transitar por longos anos pela Filosofia do Direito, após um mestrado na área.

Por certo, as causas trarão bons efeitos; disto, tenho certeza. O que resta é aguardar, porque o resultado do evento promete perdurar por muito tempo. Espera-se que, da próxima vez, seja possível escrever sobre algo no qual antes se esteve presente. A tarefa – imagino – será mais fácil, mas não menos prazerosa. Quanto ao 1984 de Orwell, tomado agora como propositada desculpa, ele está, como sempre esteve, presente.

Para quem quiser sair da mesmice do Direito, pode ser uma boa oportunidade; e é muito que algo do gênero aconteça em Curitiba e no Programa de Pós-graduação da UFPR, que tem nível de excelência.

Edward Rocha de Carvalho é advogado em Curitiba.

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