O horário da madrugada difere de todos os outros na tevê. Distante dos momentos de grande audiência e, por isso mesmo, do rígido controle da direção das emissoras, há uma certa liberalidade nesse território de ibope rasteiro, entre meia-noite e cinco da manhã. Enquanto os horários de maior audiência são ocupados por programas cuidadosamente planejados para determinados públicos, as atrações da madrugadas não parecem se submeter à mesma lógica de mercado. Pouco ou nada se arrisca entre as 19h e 22h.
Depois da meia-noite as coisas mais estranhas podem ou deveriam acontecer. Mas nada ou quase nada acontece no horário que deveria funcionar como um espaço de experimentação na tevê. Hoje a estranheza se resume ao Insomnia, um ?game show? no qual os apresentadores praticamente ameaçam os telespectadores a participar. A voz estridente da apresentadora Gabrielle Serafim e a movimentação sem enquadramento de Maurício Mendes são perturbadores. Programas religiosos e o ?celebrity show? de Amaury Jr. ocupam o resto do horário da madrugada da Rede TV!, sem qualquer originalidade na abordagem do ?tele-rebanho?. A Rede Record, por sua vez investe na mais velha fórmula de ocupação do espaço televisivo: O enlatado, com os excessivamente reprisados Dr. House, CSI Miami e Monk.
A TVE Brasil merecia repensar seus programas e oferecer horários menos ?alternativos? para o que tem de melhor. Caso do Re[corte] Cultural, que procura ser uma alternativa ao formato tradicional de entrevistas na tevê. Alguns bons shows do Acervo MPB, os comentários polêmicos do Observatório da Imprensa e os filmes de Doc TV, Cadernos de Cinema e Curta Brasil são exemplos de originalidade na programação da tevê que deveriam ser exibidos mais cedo. Enquanto isso, o horário da meia-noite é ocupado com Espaço Público, programa de debate e de entrevista que, a despeito da qualidade dos convidados e da importância dos temas, é um tedioso palavrório sem a menor criatividade na edição de imagens. É pouco mais que um programa radiofônico. Ele acaba reforçando um pouco a imagem da TVE, até hoje associada ao oficial, ao didático e ao erudito. A emissora mereceria uma boa reelaboração conceitual.
A Globo, que conta com uma audiência inercial pouco acostumada a vasculhar novas atrações em outros canais, mantém o Programa do Jô sem novidades. Criado à imagem e semelhança dos ?talk shows? americanos de David Letterman e Jay Leno, a atração tenta se sustentar unicamente pela empatia do entrevistador. O que tem seu preço. Muitas vezes, bons entrevistados são silenciados pela verborragia de Jô.
Com um estilo inteiramente oposto ao do gordo, Serginho Groisman apresenta um programa voltado ao público jovem, no qual tenta abordar assuntos como sexualidade, política e comportamento. Com um jeito tranqüilo incapaz de atropelar sua platéia de adolescentes, o apresentador criou um bom programa que terminou exilado em um horário fantasma. E pior. Com o tempo, seu Altas Horas passou a se ressentir daquilo que mais encantava seu público jovem: franqueza e coloquialidade de ídolos que representam a surpresa e a inquietude dos adolescentes. Cantores de axé e atores globais não são exatamente a melhor correspondência para esses valores.