Zélia Duncan faz uma imagem interessante de si mesma: se vê como um chinês equilibrando vários pratos ao mesmo tempo. É que ela não para. Emenda um projeto em outro – isso quando não toca vários deles ao mesmo tempo. Zélia estreou em maio, em Campo Grande, seu novo show, “O Lado Bom da Solidão”, que apresenta nesta sexta-feira, 17, e sábado, 18, em São Paulo, no Teatro J. Safra. O repertório faz uma espécie de retrospectiva de sua obra com uma roupagem intimista – e unplugged -, só com voz e violão.
“Nesse formato, gosto de pensar como se o público pudesse estar perto de mim quando as músicas nascem, elas nascem dessa maneira solitária”, descreve a cantora e compositora. “Um show dentro de um teatro, só com o violão, chama as sutilezas, os silêncios, um jeito de pensar música um pouco diferente, um pouco mais introspectivo, que está muito longe de ser triste. Acho engraçado como hoje em dia temos dificuldade com o silêncio. Acho que a nossa vida é tão barulhenta em todos os sentidos.”
O título do show é inspirado em sua música “O Lado Bom” (dela e Christiaan Oyens), faixa de seu quarto disco, “Acesso”, de 1998. “Sozinha/Observo melhor as cores/Os excessos/Os afetos/Que me faltam/ou me afetam/Sem ninguém por perto/Meus olhos/ficam mais abertos/Imersos num vazio”, canta ela em um trecho da letra. Com 50 anos de idade e 34 de carreira, Zélia lembra da época em que era adolescente, da felicidade que sentia quando todos saíam de casa e ela ficava sozinha. “Eu morava numa casa muito habitada pelos quatro (irmãos). Todo mundo jovem, cada um com uma demanda diferente. Têm os irmãos mais velhos que sempre acham que são os donos da casa.” Nas ocasiões em que estava só, ela se deleitava ao escutar, tranquilamente, seus discos de MPB, que não precisavam disputar a vitrola com os LPs rock’n’roll dos irmãos.
“Apagava a luz e ficava ouvindo. Eu tinha todas as emoções do mundo e aquele momento foi crucial para mim. Era a hora que eu estava escolhendo o que ia fazer da vida. Mesmo que eu não soubesse que estava escolhendo, eu estava.”
Zélia prefere não entregar o repertório do show “O Lado Bom da Solidão”, mas adianta que cantará músicas de Alice Ruiz e Itamar Assumpção, alguma coisa do disco Zélia Duncan, de 1994, que reuniu sucessos como “Catedral” – “uma música dali que não toco há muito tempo é Um Jeito Assim”. Como se trata de uma apresentação totalmente no seu controle, ela diz que dá para atender aos pedidos da plateia. “Algumas das músicas que são para dançar, eu convido a um outro jeito de ouvir. Não precisamos ficar ansiosos para provocar a festa: ela é a gente estar ali.”
Em agosto, a partir do dia 11, a cantora retorna a São Paulo com temporada do belo projeto “ToTatiando”, no Teatro Porto Seguro. Todas as terças, até 27 de outubro, ela apresenta o espetáculo em homenagem à obra de Luiz Tatit, com direção de Regina Braga. No início de “ToTatiando”, Zélia conta que elas não sabiam ao certo defini-lo: seria teatro ou música? “Era um grande perigo para mim, porque me coloco ali como uma atriz. Até hoje, a confusão perdura. Acho que é teatro, mas que não existiria sem aquelas músicas, aquelas palavras do Tatit. Foi uma coisa inventada por mim e pela Regina Braga”, afirma ela, que se diz eufórica, assim como Regina, com esse retorno do projeto.
Novo álbum
E, como os pratos não podem parar de girar, Zélia Duncan mantém a turnê de “Tudo Esclarecido” – cujo repertório-base são as composição de Itamar Assumpção – com sua banda. Há ainda os shows com Zeca Baleiro, que devem render registro em DVD. A parceria, aliás, extrapolou os palcos e os dois compuseram para um disco juntos. “Começamos a gravar nosso álbum. Quando começamos a nos encontrar e a fazer o show, compusemos mais de dez músicas. Dois malucos na estrada”, conta. “Começamos um disco de uma maneira que nunca fiz: grava uma música, passam-se dois meses, grava outra música. Temos quatro canções gravadas.”
O álbum de Zélia e Zeca só não ficará para agora, porque os dois estão tocando outros projetos. No caso de Zélia, ela está na fase de mixagem de um novo álbum de carreira, autoral, só com sambas, que deve ser lançado em setembro. “Eu Me Transformo em Outras é um álbum de choro, sambas, é mais misturado. É um disco muito importante para mim, já mostra minha intimidade com a MPB, porque estourei como artista pop”, diz Zélia, referindo-se a um disco fundamental em sua carreira, de 2004, que, por acaso, está sendo relançado agora pela Biscoito Fino em CD e DVD. “Tenho um background de música brasileira, que é o que sempre ouvi, assim como eu tinha do Tatit e que o ToTatiando me ajudou a revelar, e como eu tinha do Itamar e gravei Tudo Esclarecido. Então, chegou a vez do samba assumidamente, com parceiros, letras minhas. Gravamos daquele jeito que gosto, com todo mundo junto.”
Zélia é também uma das convidadas na homenagem que o Rock in Rio prepara para Cássia Eller. Mais do que contemporânea de Cássia, Zélia era amiga dela. Elas se conheceram no musical de Oswaldo Montenegro, “Veja Você, Brasília”, em 1981. “Ficamos logo amigas, minha família adorava ela. Não tínhamos uma convivência cotidiana nos últimos tempos, por causa da vida da gente, mas havia um profundo carinho e um amor de quem se conhecia há muito tempo.”
Para o tributo, Zélia escolheu cantar “Malandragem”, que virou a marca de Cássia Eller. Ela diz que gostaria de cantar também “O Segundo Sol”, que, no festival, ficará a cargo de seu autor, Nando Reis. “Quero dividir essa saudade com as pessoas. Me emociono quando canto uma música dela, porque fico pensando: ‘caramba, ela não pode sentir mais isso’. Para mim, é uma honra como artista contemporânea dela e como amiga, como se eu pudesse abraçá-la de novo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O LADO BOM DA SOLIDÃO
Teatro J. Safra. R. Josef Kryss, 318, Barra Funda, tel. 3611-3042. Sexta (17) e sábado (18), às 21h30. R$ 60/R$ 180.