O mais recente fruto da série Acústico MTV é também o mais inusitado – pelo menos se levarmos em consideração o conceito original do projeto: afinal, quando foi que Zeca Pagodinho foi “elétrico” ou “plugado”? É quase a mesma coisa que fazer um “acústico” do João Gilberto…
Porém, se entendermos o acústico como uma coletânea mais refinada, com arranjos diferenciados, overdose de marketing, a grife MTV e caimento sob medida para o grande público, a escalação do sambista de Xerém é irretocável. Afinal, Zeca Pagodinho é pop – ainda mais agora, que virou “mestre cervejeiro”. A diferença é que ele não precisou recuar um milímetro da sua personalidade para embarcar na idéia. Pediu um vinhozinho “por causa da voz” e fez questão de cantar para uma platéia “de verdade”, no lugar da claque habitual. Experimentou e gostou.
“Aquilo ali foi uma grande festa, uma festa muito bonita, só que foi gravada”, resumiu a O Estado um impaciente Zeca, depois de ter falado com “uns 14” jornalistas, no dia reservado pela Universal para as entrevistas. “Para mim valeu a pena, foi uma experiência nova, e acho que foi uma grande vitória para o samba.” Indagado sobre a razão de gravar um “acústico” com um artista que sempre foi “desplugado”, Pagodinho foi irônico: “Acho que foi pela simpatia”.
Fiel à cartilha do projeto, o disco reúne vinte faixas, sendo apenas quatro inéditas: O Penetra, Comunidade Carente, Lá Vai Marola e Pago pra Ver. A primeira é um pagodão de mesa, com letra em homenagem ao “bicão profissional”. A segunda, precedida por um solo de trumpete, poderia ser definida como “a revanche do eleitorado”: “Nós já preparamos vara de marmelo / E arame farpado / Cipó-camarão para dar no safado / Que for pedir voto na jurisdição”. Impagável. Lá Vai Marola, samba rasgado com tempero de afoxé, saúda um irrequieto “Pedro Batuque”. E a última, um samba melancólico, com letra no melhor estilo “dor-de-corno”. E todas se encaixam perfeitamente no repertório consagrado do sambista.
No mais, o CD todo remete a uma agradável noitada no boteco – apesar da presença coadjuvante de coro, palmas e suaves intervenções de sopros e cordas. Todos os grandes clássicos estão lá: o disco abre com o pout-pourri de Quando Eu Contar (Iaiá) (Serginho Meriti e Beto Sem Braço) e Brincadeira Tem Hora (Pagodinho e Sem Braço), engata Patota do Cosme (Nilson Bastos e Carlos Sena), quebra o ritmo na climática versão de Lama nas Ruas (Almir Guineto e Pagodinho) e prossegue na cadência auto-afirmativa de Maneiras (Sylvio da Silva).
É claro que não poderiam faltar as eternas Não Sou Mais Disso (Jorge Aragão e Pagodinho), Vai Vadiar (Monarco e Alcino Corrêa) – esta com a participação especial da Velha Guarda da Portela -Coração em Desalinho (Mauro Diniz e Ratinho), Alto Lá (Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha), Jura (Sinhô), Posso Até me Apaixonar (do discípulo Dudu Nobre) e Verdade (Nelson Rufino e Carlinhos Santana), até o final apoteótico com Deixa a Vida me Levar (Serginho Meriti e Eri do Cais). E ele está deixando, mas sem perder a compostura…