No começo do ano, quando conversou com a reportagem, Frederick Wiseman estava indignado com o presidente Donald Trump. “A América é, sempre foi, uma nação de imigrantes. Foi o ‘melting pot’ que forjou a grandeza dos EUA. Esse narcisista está indo contra nossas mais caras tradições.” A entrevista era para falar sobre In Jackson Heights, o documentário de Wiseman que ia inaugurar um festival de direitos humanos. Por problemas alheios ao repórter, a ligação caiu, a data da entrevista perdeu-se. Para o leitor, o making talvez não tenha interesse nenhum, mas nesse caso é importante. Revela não só o artista, como o homem.

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No dia seguinte, toca o telefone e é o próprio Wiseman chamando. Explica que não gosta de deixar as coisas inconclusas, e até chamou antes. Explica que está em Paris, no meio da montagem do novo filme. Passou-se pouco mais de meio ano, o filme foi lançado no Festival de Veneza, integrou a seleção do Festival do Rio, em outubro, e nesta quarta, 15, está na Seleção Rio do Cinesesc. Como já havia feito no ano passado, o Cinesesc abrigou uma fatia, um recorte do evento carioca. Uma seleção de 22 títulos – alguns retratos, programas especiais, uma homenagem ao ‘queer’ britânico.

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O novo documentário de Wiseman é Ex-Libris, seu olhar sobre a grande biblioteca de Nova York. Passa às 15 h e será seguido pelo Edward II de Derek Jarman, às 19h, na programação do queer. Homoafetividade e homofobia. Com base na peça de Christopher Marlowe, Jarman busca um recorte contemporâneo para um personagem enigmático. Edward era gay? O complô para apeá-lo do trono foi alimentado por códigos morais? Foi destituído por ser gay, ou por ser incompetente? Tilda Swinton, que está no elenco, era a musa de Jarman. Em 1991, pelo papel, ganhou a Taça Volpi de melhor atriz em Veneza.

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In Jackson Heights era sobre a comunidade homônima no Queens, em Nova York. Naquele enclave livre, e cosmopolita, coabitam brancos, negros, nativo-americanos, asiáticos. Todo mundo se respeita, daí a indignação de Wiseman com as medidas xenófobas de Mr. Trump. Agora, a biblioteca. “Não tinha plano nenhum. Cheguei como sempre faço. Minha pesquisa já é o filme.” Durante 12 semanas, Wiseman instalou-se com sua câmera na biblioteca de Nova York. Faz o que os críticos chamam de ‘documentário observacional’. O ponto de vista da mosca na parede. “Detesto quando dizem isso e acho até idiota. Uma mosca não pensa, e eu tenho de tomar decisões o tempo todo, mesmo agora” – estava montando o filme na capital francesa. Nada de roteiro, entrevista, narração em off, música. Só o olhar e, como ele diz, sorte. Como consegue? Wiseman consegue, é o que basta. Gravou 150 horas de material, que reduziu para três. Uma biblioteca é um espaço vivo, não apenas um depósito de livros. Ex-Libris é admirável.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.