Para os saudosistas e fãs que acompanham Paul McCartney em qualquer uma de suas turnês brasileiras, seja pelo Sul ou pelo Nordeste, o registro mais próximo da realidade vivida na presença do ídolo nestes últimos três anos talvez não seja o mais recente. Ao tocar o relançado Wings Over America, de 1976, um dos grandes discos ao vivo da década, com Paul em sua melhor forma, a sensação de ouvir Blackbird ou Bluebird no Mineirão é evocada com mais verossimilitude do que em qualquer um dos DVDs e discos ao vivo que o cantor tem lançado nos últimos anos. Isto se deve ao brilho que Sir Paul não deixou de exibir sobre o palco nas últimas três décadas, com a manutenção de uma set list semelhante à original e a contratação de uma banda que se identifica mais com o peso progressivo do Wings do que com a simplicidade dos Beatles.
Mas assistir a um show de Paul McCartney aos 70 é mais um ritual familiar, uma peregrinação ao templo ambulante de uma divindade musical do que um concerto de rock. Portanto, o impacto de sua presença é compensado com o tipo de efervescência despojada e caseira que foi registrada em Wings Over America. Gravado em turnê pelos Estados Unidos, em 1976, enquanto Paul consolidava seu legado pós-Beatles, tendo chegado ao topo das paradas com McCartney, Ram e Band on the Run, o disco resume a identidade de Paul com alguns clássicos dos Beatles de sua autoria, mas a grande parte dos shows é dedicada à banda que formou com sua mulher Linda McCartney, o baterista Denny Seiwell, do Moody Blues e o guitarrista Denny Laine. Este canta em algumas faixas, mesmo que o público fique mais quieto, e dê a impressão de ir ao banheiro quando Paul não está no vocal. Mas a divisão das funções exemplifica a visão democrática que o ex-Beatle havia implantado no Wings, uma dinâmica tão casual que dava espaço para todos comporem e cantar no grupo (Linda, longe de ser profissional, mesmo assim assinava canções).
É claro que as obras primas ficam por conta do gênio, e em Wings Over America, disponível em download, CD duplo, ou três vinis, com remasterização cristalina, Jet, Band on the Run, Live and Let Die e a magistral Maybe I’m Amazed têm versões tão fascinantes quanto assistir Paul McCartney dizer “uai” ou conversar com um gafanhoto.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.