Fiel à tese de que o terrorismo não é um produto das religiões e sim da discrepância econômica entre pobres e ricos, Wim Wenders transformou a intolerância das jihads (e seu DNA financeiro) nos bastidores de uma história de amor à moda dos clássicos de Hollywood, com a qual abriu a 65ª edição do Festival de San Sebastián, no norte da Espanha, na sexta, 22: Submersão (Submergence).

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O filme – que estreia dia 7 de dezembro no Brasil – pisou em solo espanhol precedido por resenhas positivas, conquistadas no Canadá, durante o Festival de Toronto. Na tela, dois astros da vez: a sueca Alicia Vikander (ganhadora do Oscar de coadjuvante por A Garota Dinamarquesa) e o escocês James McAvoy (do sucesso Fragmentado). Ela tem 28; ele, 38. Entre os dois, um cineasta de 72 anos, com status de mestre, três vezes indicado ao Oscar (sempre como documentarista, por O Sal da Terra, Pina e Buena Vista Social Club), ganhador de uma Palma de Ouro (pelo cult Paris, Texas) e de um Leão dourado (por O Estado das Coisas). Sob a orquestração dele, Alicia vira a biomatemática Danielle que, em busca de indícios geofísicos capazes de revelar a origem da vida na Terra, deixa-se atropelar por uma paixão.

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No romance de J. M. Ledgard, que inspira Submersão, a geografia e seu duplo, a geopolítica, são as reais protagonistas, uma vez que temos uma prosa sobre fatos que se passam em múltiplos locais no mundo. Como foi preservar esse espírito nômade, de andanças dos personagens?

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Bons produtores resolvem isso. E eu tive parceiros como Juan Gordon, da Espanha, que me ajudaram nesse processo, buscando, por exemplo, uma locação na África, representada como um hotel, que um dia foi um local de cultos religiosos. Essa energia está na tela, num enredo no qual as paisagens naturais são essenciais, pois trazem a realidade, e suas contradições, para dentro de uma história de amor cheia de aspectos sombrios.

Embora disfarçado sob reflexões semiológicas, seu filme anterior, Os Belos Dias de Aranjuez (2016), era também uma love story. O que vem atraído sua atenção para este filão?

O amor é uma forma de equilíbrio para esse mar de trevas que temos diante de nós hoje. E eu tenho a tendência de acreditar em uma frase do Dr. Martin Luther King: “A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode”. Mas o amor que retrato aqui não é o da inocência. Ele tem mistérios, breus, lacunas. Ele precisa ser contrabalançado pelo segredo, por verdades ocultas, até porque estamos retratando, em Submersão, um ambiente de intelectualidade muito exaltada, muito vívida. Nem tudo é emotivo.

Existe um respeito quase sagrado ao silêncio no filme, como se desse o tom daquele amor fraturado por escolhas violentas. Qual é o lugar do silêncio no seu cinema?

Em tempos em que o cinema foi subjugado pelo ruído, pela histeria, o silêncio é quase uma dádiva: para mim, ele é uma bússola. Não existe mais espaço para o silêncio, para cenas em que a imagem sussurre para você. Tento correr atrás dessa sensação, do prazer da cena silenciosa, porque a quietude é o que valida a palavra. O que um personagem diz só ganha peso de revelação se for precedido por algum silêncio, por algum espaço de reflexão. Essa é a minha busca.

Mas o silêncio cabe no documentário, que baliza cada vez mais sua relação com o real?

Cabe, porque o silêncio funciona bem em tudo. Funciona mesmo para alguém da minha geração, que foi salvo pelo rock’n’roll, pela música punk… Mas a questão aqui é outra: não existem diferenças específicas de sensorialismo entre o documentário e a ficção. A fronteira entre elas foi borrada há muito tempo. Só consigo me aproximar da ficção adulta quando ela se abre para a realidade, aproximando-se dela o máximo possível, como tentamos fazer em Submersão, ao refletir sobre o jihadismo. Eu só não esperava que a intolerância religiosa ia crescer de maneira tão desenfreada no mundo desde que pensamos esse filme e esboçamos seu ponto de vista sobre células de terrorismo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.