Foi a coletiva do júri mais divertida da história recente da Berlinale. Estava todo mundo muito animado – e divertido. De certa maneira, foi a antecipação para o que viria a seguir, o longa de Wes Anderson que abriu oficialmente – fora de concurso – o 64º Festival de Berlim. Há três anos, outro filme de Anderson, Moonrise Kingdom, abriu o Festival de Cannes. O filme que abriu a Berlinale chama-se The Grand Budapest Hotel. Só metade do elenco principal veio – Ralph Fiennes, Tilda Swinton, Edward Norton, Willem Dafoe, Saoirse Rowan – e já foi suficiente para encher a mesa. Faltaram, por exemplo, F. Murray Abraham, o Salieri de Amadeus, de Milos Forman, e Jude Law. Mas, com tanta gente brilhante na mesa, o astro foi mesmo o diretor.
Digamos que o cinema de Wes Anderson não é para todos os gostos. À falta de uma definição melhor, seus personagens são chamados de excêntricos. Mais que os personagens eventualmente bizarros, o que faz a graça do seu cinema, quando acerta – e aqui ele se superou -, é o tom. Seu método é simples. Campo/contracampo, muito diálogo, mas nada a ver com a linguagem de TV. Os atores de Wes Anderson representam no registro antinaturalista. Compõem, e isso faz toda a diferença.
Grande Hotel Budapeste baseia-se em escritos – nenhum livro em particular – de Stefan Zweig. Talvez em Viagem ao Passado, menos pelos incidentes que pela descrição que Zweig faz de Viena, e da Europa, anteriores à 1ª Guerra. A vida, a sociedade, os costumes – o livro é sobre um mundo que vai desaparecer, sepultado por transformações profundas. Na coletiva, Anderson lamentou que Zweig seja tão pouco conhecido do público de língua inglesa. Disse que ele está sendo (re)publicado na América e que os norte-americanos e ingleses só terão a ganhar com a elegância de sua escrita e seu olhar certeiro sobre a vida social. Logo no começo, o escritor, pois há um escritor – e a frase é de Zweig -, corrige uma fantasia do público. Diz que as pessoas acham que os escritores têm de ter a imaginação delirante, mas, na verdade, as histórias e seus personagens acham o caminho até eles. E começa a do Hotel Budapeste, sobre como um lobby boy tornou-se protegido do concierge, M. Gustave, e de como, no limite, descobriu o amor e ganhou uma fortuna, tornando-se o dono do hotel.
Tudo se inicia com a disputa de um quadro, que M. Gustave ganha de herança de uma velha amiga (e cliente), e de como isso termina por desencadear uma caçada de vida ou morte – após o assassinato, por envenenamento, da dita cliente, pelo próprio filho. É uma comédia. Sutil, delicada. Provoca sorrisos, não é para gargalhar. O importante é que faz a crítica desse mundo em vias de desaparecer, e no fundo está questionando a própria linguagem. O formato quadrado da tela não é só outra tentativa para recriar o espírito da época. Desde sua animação – Mr. Foxx -, Anderson desenha seus filmes, e o storyboard acompanha o desenho sonoro. Jude Law faz um pequeno papel que qualquer outro autor poderia fazer, certo? Errado – seu personagem começa narrando e as modulações da voz são decisivas. Anderson tem seus mestres. Ernst Lubitsch e A Loja da Esquina – a referência a Budapeste vem um pouco daí – foram seus faróis, mas ele contou, sua equipe viu e reviu o Grande Hotel de Edmond Goulding (com Greta Garbo). Com encanto, o filme conta a passagem do garoto, que se chama Zero, para a maturidade, enquanto M. Gustave nunca amadurece e fica eternamente criança.
Foi uma bela abertura, a da Berlinale. Antes, a coletiva do júri teve lances de comédia de erros. Um jornalista cumprimentou Freta Gerwig, a Frances Ha, por sua indicação para o Oscar e ela teve de lhe dizer que não foi selecionada para o prêmio da Academia. Ao presidente do júiri, o ator, produtor e roteirista James Schamus, outro jornalista perguntou, à luz da recente morte de Philip Seymour Hoffman, se não eram profissões perigosas, sempre alvos de paparazzi. Ele retrucou que devia ser pior ser o próprio paparazzo. Serena, Tilda Swinton – que já foi presidente do júri da Berlinale e interpreta a velha dama envenenada em
Grande Hotel Budapeste – lembrou que Berlim foi o primeiro festival em que esteve, e logo com seu primeiro filme. Este filme, só para lembrar, foi o Caravaggio de Derek Jarman, que hoje terá sessão especial em Berlinale Classics.
A seção dos clássicos restaurados promete fazer a festa dos cinéfilos e terá filmes de Yasujiro Ozu (Dias de Outono), Robert Wiene (O Gabinete do Dr. Caligari), Nicholas Ray (Juventude Transviada) e Helma Sander-Brahms (Alemanha, Mãe Pálida). E como sempre, em anos recentes, Berlim dedica parte de seu programa aos cinéfilos que também são gourmets. A Mostra Culinárias é sugestiva – Some Like it Hot, como a comédia de Billy Wilder, Quanto Mais Quente Melhor, mas com um acréscimo. “But Don’t Let Burn”, “Mas não Deixe Queimar”. Um dos filmes chama-se The Food Guide to Love, outro é Cesar Chavez – e tem direção do ator mexicano Diego Luna. A Berlinale está só começando, mas as promessas são muitas. Os próximos dez dias serão dos mais intensos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.