Bobagem dizer que ela está de volta. Ela está onde sempre esteve. Afastada do teatro desde 2004, Walderez de Barros, 71 anos, retorna ao palco como se dele nunca tivesse saído. Ao encarnar o papel título de “Hécuba”, montagem de Gabriel Villela que estreia sexta, a atriz confirma sua veia de intérprete clássica. Mostra o esteio, as raízes da Walderez que nos acostumamos a ver na televisão nos últimos anos. “Não adianta ter ideias excepcionais, se você não tiver atores que tenham o aparelho físico, mental, psicológico para traduzir isso”, aponta Villela. “Que não tenham a sensibilidade para encarnar essas figuras míticas. E isso está cada vez mais raro.”
Em cena, ela protagoniza o texto de Eurípides com rigor ritualístico, quase religioso. A história da rainha que perde o trono, o reino e vê os filhos serem assassinados sinaliza uma dor tão aguda que poderia facilmente resvalar no drama. Não em suas mãos. “Essa dor é minha na medida em que sou humana. Não porque tenho três filhos e isso poderia acontecer comigo. Não é isso. Nunca lidei com a emoção cênica dessa maneira”, ressalva a atriz.
A desenvoltura com a qual trafega pelo erudito tem origens antigas. Walderez se formou pelas mãos de Eugênio Kusnet – teórico e professor de toda uma geração de intérpretes brasileiros. Mas, antes, passou pelos bancos da Faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia. “Na verdade, é daí, e não especificamente do teatro, que vem a minha relação com os gregos.” Além de “Hécuba”, Walderez já personificou outras das grandes personagens femininas do universo trágico. Em 1987, dirigida por Jorge Takla, surgiu como Clitemnestra, na encenação de “Electra”. Dez anos depois, conduzida pelo mesmo diretor, vivia “Medeia”.
Além da proximidade com os filósofos, completam essa receita as raízes caipiras, a infância em Ribeirão Preto. “Também tenho facilidade de acessar essa dimensão da tragédia porque sempre estive em contato com ela. A dor popular é trágica. Os gritos e o choro das primas que eu via nos enterros de família eram como a dor da Hécuba. Não era essa dor burguesa, que põe óculos escuros, que enxuga as lágrimas discretamente.”
A devoção aos clássicos nunca a impediu, porém, de circular por outros registros. Os semitons de Chekhov, as figuras marginais e transgressoras de Plínio Marcos. O vínculo com o autor de “Navalha na Carne”, aliás, oferece a chave para se compreender boa parte desse percurso de 50 anos como atriz.
Na década de 1960, a estada de Walderez na USP não ficou restrita aos livros. Logo, a militância política insinuou-se. Terminaria por levá-la ao teatro estudantil que se fazia no CPC, o Centro Popular de Cultura da UNE, e ao encontro com Plínio Marcos, em 1962. O casamento dos dois veio no ano seguinte. Juntos tiveram três filhos e levaram à cena uma meia dúzia de peças. Walderez encenou alguns dos grandes textos do dramaturgo: “Querô, Uma Reportagem Maldita” (1992), “Quando as Máquinas Param” (1971), “Abajur Lilás” (1980).
Não seria essa, contudo, a única das parcerias que ajudam a contar o caminho da intérprete. “Ao longo da vida, a gente vai formando a tribo da gente”, comenta Walderez. “As pessoas que são queridas e com as quais é bom trabalhar. Para essas pessoas eu nunca sei dizer não.”
Dessa lista constam Jorge Takla, ao lado de quem trabalhou em várias ocasiões, Rogério Gomes, o Papinha, diretor que a manteve nas telenovelas da Globo nos últimos anos, e o próprio Gabriel Villela. “Eu não me imaginava fazendo uma tragédia grega sem ela”, comenta o encenador mineiro, que já a havia dirigido na versão de um outro clássico “Fausto Zero” (2006). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Hécuba – Teatro Vivo (Av. Chucri Zaidan, 860, Morumbi). Tel. (011) 4003-1212. Estreia: 18/11. Sexta, às 21h30; sáb., às 21h e dom., às 20h. R$ 40 a 60. Até 18/12.