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Wagner Moura diz que ‘Marighella’ evoca um Brasil que não se deixa oprimir

Wagner Moura tem ouvido os maiores elogios por sua coragem, seu esforço. Um jornalista de Israel chegou a dizer que, se Marighella estivesse na competição para valer, não teria para ninguém. Urso de Ouro! Foi difícil chegar até aqui, mas o aplauso caloroso do público na sessão oficial do filme foi um reconhecimento. Embora sem chance de ser premiado na noite deste sábado – o filme passa fora de concurso -, ele espera que as críticas favoráveis ajudem a alavancar logo o lançamento no Brasil.

Marighella ainda não tem data. As empresas Downtown e Paris Filmes – produtora e distribuidora – acham que o momento não é adequado, mas Wagner e as produtoras Bel Belinky e Andrea Barata Ribeiro, da 02 Filmes, acham que é totalmente adequado.

Ele sabe que vai tomar porrada. “Minha vida ficou complicada. Sofro todo tipo de ataque. Sei que o lançamento não vai ser fácil, vão querer jogar m…, mas é o espelho do Brasil. Não quis fazer um filme de mocinhos e bandidos, good guys vs. bads guys. Mas Marighella sempre me fascinou porque evoca um Brasil resistente, um Brasil que não se sujeita. Sempre gostei de História (a grande). Todas essas revoltas que permeiam a história do Brasil. O País fundamenta-se na desigualdade e existem todas essas histórias de combate, de resistência. No momento em que se fala que não houve ditadura no Brasil, mas um movimento, fiz o filme, conscientemente, para mostrar, sim, que 1964 instalou uma ditadura, e foi brutal.”

Ele sabe que terá muita gente contra, mas espera ter também a favor. Mesmo de uma perspectiva de esquerda, tomando partido, sabe que não fez um filme hagiográfico. Não era a intenção. “Marighella faz coisas que podem ser contestadas, mas me fascinou essa possibilidade de humanizar um personagem que ainda é pouco conhecido dos brasileiros.” Revolucionário, amante, pai – Marighella tem muitas caras no filme de Wagner Moura. É multidimensional. Seu Jorge, que faz o papel, nutriu-se de suas experiências na quebrada de Belfort Roxo, onde se criou, no Rio. Ele não era a primeira opção de Wagner, e assumiu em cima da hora. Teve pouco tempo de preparação – um mês. Ainda bem que conhecia a preparadora de elenco Fátima Toledo, que o submeteu a um duro processo.

Bruno Gagliasso, que faz seu antagonista, o policial Lúcio, inspirado no torturador Fleury, conta de outro ângulo o que foi essa preparação. “Tenho uma filha negra, e por isso mesmo não acreditava que conseguisse fazer. Todas essas coisas horríveis, ofensivas e violentas que digo para Seu Jorge (Marighella). Mas era preciso, e eu fiz com amor. Fátima trabalhou para que a gente compensasse todo esse ódio com muito amor entre nós, da equipe. É um filme importante. Fiz pela minha filha, pelo futuro dela, que espero que seja melhor.” De tão emocionado, Gagliasso chorou na coletiva. E Wagner – “Não preciso defender Marighella porque ele fala por si no filme. Com seu carisma, sua liderança. Mas eu gosto que até o antagonista não seja estereotipado.

Lúcio não é um vendido. Acredita no que faz, e por isso coloquei um ator bonito como o Bruno para fazer o papel. Não é tanto para criar uma cumplicidade, mas para que o público perceba o viés humano.” Ele lamenta que, nessa radicalização que acredita ter tomado conta do Brasil, não encontre pessoas dispostas a conversar. “Democracia pressupõe ouvir o outro, trocar informações. O que eu vejo é muita gente obtusa.”

Sua preocupação foi a de fazer um filme que não fosse unidimensional, mas ele sabe que não adianta. Por experiências anteriores, sabe que não será poupado pela esquerda nem pela direita. “Já estão falando que fiz um Marighella negro, quando ele era mulato. Mas nessa guerra que virou o Brasil, os jovens negros das favelas são alvos preferenciais. O Estado brasileiro matou Marighella. Em face de tudo isso acho importante contar histórias de pessoas que resistem.”

Marighella é sobre o assassinato de um brasileiro que amava seu país. Anos atrás, em entrevista ao Estado, Wagner disse que interpretar Hamlet no teatro foi decisivo para ele. “Sou impregnado pelos personagens que interpreto e Hamlet aguçou a minha consciência, a forma de encarar meu ofício, a arte.” O mesmo pode-se dizer do pai que procura seu filho em A Busca, de Luciano Moura. Marighella é impregnado por aquele pai – a paternidade é decisiva, talvez seja a chave do filme. A ligação de Marighella com Carlinhos. “Não pensei especificamente nisso, mas talvez seja verdade.

Inconscientemente, trouxe muita gente daquele filme para trabalhar no Marighella – o diretor de fotografia Adrian Tejido, o montador, etc.” Segundo ele, a direita que se instalou no poder no Brasil se apropriou do Hino Nacional e fala muito em família. O comunista Marighella é um amoroso pai de família e, numa cena decisiva, todas aquelas pessoas que vão morrer cantam o hino. “Não era uma cena escrita no roteiro. Fazia parte da preparação, para unir o grupo. Quando vi aqueles atores cantando de forma tão apaixonada, pedi ao Tejido que filmasse. E resolvi usar.”

Referências

Wagner chegou a Berlim na quinta, jantou com o diretor do festival, Dieter Kosslick, e passou a sexta dando entrevistas. Neste sábado, ele já viaja porque na segunda inicia a filmagem de Os Últimos Soldados da Guerra Fria, que o francês Olivier Assayas vai adaptar do livro de Fernando Moraes. Como diretor estreante, de primeira viagem, ele nem sabe de onde tirou suas referências, mas admite que Carlos, de Assayas, definitivamente foi uma delas. “No início, quando comprei os diretos (do livro Marighella, o Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo, de Mário Magalhães) pensava em só produzir, mas quem poderia ser o diretor? Não sei se escolhi ou fui escolhido, mas essa história virou minha.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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