Você acredita em astrologia?

1955. Estou de plantão no aeroporto de Londrina. Um conhecido, de Arapongas, me chama ao telefone e pede para que eu vá até aquela cidade apanhar um passageiro para levar até Presidente Prudente. O que me preocupou levemente é que ele pediu para eu pousar na “pistinha”, uma espécie de perna mais curta de um “L” que usávamos quando o vento cruzado na pista principal estava muito forte. Ué, naquele dia não havia vento de través. Enfim, fui.

Taxiando ao lado da cerca de arame farpado fui levando o Bonanza até onde estava o carro do meu conhecido.

O passageiro que eu devia transportar para Prudente estava ao lado dele: bandagem na cabeça, braço numa tipóia, camisa manchada de sangue, um paletó maior que ele, um pé de botina e outro de sandália “enxuga poça”, com solado de corda.

Pergunto ao advogado meu conhecido se não estaria dando fuga a algum criminoso, pondo em risco minha licença e o avião da companhia. Ele me explica:

– Nada disso, Wilson. Este homem é um picareta de terras de Mato Grosso, trabalha para o Brunini, de Presidente Prudente, e veio aqui cobrar uns “papagaios” vencidos de compradores de terras de Mato Grosso, já viu? Um espanholzinho arrepiou com ele, reuniu um grupo e lhe deram essa camaçada de pau que você está vendo. Livrei-o da delegacia, demos uma passada no Hospital São Francisco, uns curativos, agora ele precisa ir pra Prudente.

Acreditei, anotando o nome do cristão rebentado no livro de bordo, apanhei o cheque que pagava a viagem e decolei. No assento traseiro, deitado e gemendo ia o passageiro. Sobrevoei a cidade, chamando táxi com rajadas de motor, pousei e ajudei-o a descer do avião. O táxi foi para a cidade e eu decolei de volta para Londrina.

1966. Assunto o cargo de Assistente da Direção Geral da TV Globo, em São Paulo. Entre os programas levados ao ar pela emissora estava um com o “maior astrólogo do Brasil”, Omar Cardoso. Liguei para o “switch” e pedi para darem recado ao Omar, que subisse até minha sala, no 5º andar.

Não se fez de rogado, entrou alegre, sorridente, cumprimentando-me e brincando, querendo saber qual era meu signo. Disse-lhe que o meu era Libra e o dele, Câncer.

– Claro, você sabe. O Brasil inteiro sabe o signo do Omar Cardoso.

Pedi-lhe que fechasse a porta e sentasse à minha frente:

– Omar, há quanto tempo você é astrólogo?

– Ah, sim. Há mais de 20 anos, andei pelo Tibet, pela Índia, estudei muito, foi uma lenta formação…

Chamei-lhe a atenção para o que eu ia falar:

– Omar, como é que você pode estudar astrologia durante 20 anos se há 11 anos você foi levado de Arapongas para Presidente Prudente, moído de pancadas?

Ele levou um susto, empertigou-se, desabotoou o paletó (sempre usava jaquetões) e gaguejou:

– Co… Como sabe disso? Como?

– Omar, eu sou o piloto que levou você naquele avião para Prudente. Agora, conte-me como um picareta de terras de Mato Grosso se transformou no maior astrólogo do Brasil?

Rara mistura de inteligência com esperteza, seguro de que nada sairia daquela sala para os corredores da emissora, ele abriu o jogo:

– Olha, fiquei uns 15 dias em Prudente, enfurnado no Itabaú Hotel, até acertar as contas com o Brunini, recebi um bom dinheirinho até como indenização pela surra que levara em Arapongas. Não tive coragem, de daquele jeito, ir para Campinas onde morava minha família.

Mais descontraído, confessional, Omar prosseguiu:

– Fui para Marilia curar as pisaduras. Fiquei no Hotel São Paulo (disse-lhe que conhecera o Hotel, um prédio antigo, pé direito de 5 metros) e nem saía para a rua, ficava ouvindo a Rádio Clube de Marilia e lendo jornais e velhos “Almanaques do Pensamento”, com sua longa seção de horóscopos. Aí, comecei a pensar …

Deu uma ajeitada na cadeira e continuou:

– Na Rádio havia uma senhora, dona Sebastiana Helal, que tinha um programa espírita das 8 às 8:30. Escrevi uns horóscopos à mão e fui até o estúdio. Pedi-lhe que me ajudasse, dando-me os últimos 5 minutos de seu programa para eu apresentar horóscopos. Três meses depois eu já tinha comprado horário na Rádio, tinha patrocinadores que vendi na praça e estava no ar. Algum tempo depois, vim para Campinas, já tinha comprado livros sobre Astrologia, li, estudei e decorei muita coisa e lancei um programa na Rádio Brasil. Fui levando, levando, até que descobri que a Radio Tupy, de São Paulo, só tocava músicas depois do “Grande Jornal Falado Tupy”, às 7 horas da manhã. Fui a São Paulo e negociei horário. A potência da Rádio Tupy levou meu nome para o Brasil, ondas curtas e médias. Depois disso, comecei a gravar horóscopos em fita e hoje mando-as para mais de 200 emissoras do Brasil. E aqui, senhor piloto, estou como o “maior astrólogo do país”.

**********

Ficamos amigos. Visitei Omar em sua casa, em Campinas, onde tinha o estúdio e um jardim formado com as flores do Zodíaco. Jamais comentei na emissora como um picareta de terras de Mato Grosso havia se transformado no maior astrólogo do Brasil. Ele morreu em São Paulo, num hotel, vítima de infarto fulminante.

Jamais esqueci o nome que escrevi no livro de bordo do Bonanza PP-AFI: Homar Nunes Cardoso.

Agora, uma perguntinha: vocês querem que eu acredite em Astrologia?

Wilson Silva

é jornalista e escritor.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo