Viver para contar Gabriel García Márquez

São Paulo

– A estratégia só é utilizada para lançamentos de pesos-pesados – a partir de sexta-feira, a editora Record começa a distribuição de 50 mil exemplares do livro Viver para Contar (474 páginas, R$ 55), o primeiro volume das memórias do escritor colombiano Gabriel García Márquez. Além da edição substanciosa (normalmente, o número de exemplares de uma primeira impressão é dez vezes menor), também a distribuição será diferenciada – se normalmente abastece primeiro apenas São Paulo e Rio, a editora vai distribuir exemplares desta vez por livrarias de todo o Brasil.

A expectativa é, ao menos, se aproximar do sucesso do lançamento em língua espanhola no ano passado, quando, em apenas um mês, a venda beirou um milhão de exemplares, somando o total comercializado em cada país. Mais um sucesso na bem-sucedida carreira de Gabriel García Márquez que, aos 75 anos e ostentando um prêmio Nobel de literatura, é um dos poucos escritores mundiais que ainda pode ostentar a condição de “grande”.

Viver para Contar é a apenas o primeiro volume de memórias, compreendendo desde as origens familiares até o ano de 1955, quando publicou seu primeiro romance, La Hojarasca, e viajou à Europa como correspondente do jornal El Espectador. No volume seguinte, ele pretende continuar sua história até o lançamento de Cem Anos de Solidão, em 1967, livro que o consagrou mundialmente. Haverá ainda um terceiro volume, em que o escritor fechará o ciclo, além de comentar sua relação com nomes famosos da política e cultura mundiais.

Susto

Márquez escreve febrilmente, pois sofreu um grande susto em 1999, quando foi detectado um câncer linfático. Depois de uma bem-sucedida bateria de quimioterapia, o escritor retomou sua rotina, continuando a se submeter a exames periódicos. São os únicos momentos em que deixa a Cidade do México, onde vive, para ir a Los Angeles.

Nesse primeiro livro de memórias, escrito durante o momento em que se tratava da doença, Márquez apresenta a fase decisiva de sua vida, em que se conscientizou de qual caminho deveria seguir para se consagrar como um grande escritor. Não houve visões repentinas nem mudanças súbitas de estado de espírito – Márquez apenas voltou à terra de infância, onde, em meio às fortes lembranças, descobriu a força de sua escrita.

O livro começa justamente com a narrativa de uma viagem. Em 1950, Márquez estava em uma livraria chamada Mundo quando foi procurado por uma mulher que há muito não via. “Sou sua mãe”, apresenta-se ela, recém-chegada a Barranquilla, aos 45 anos, mãe de 11 filhos. Com ela, o escritor volta à sua cidade natal, Aracataca, onde pretendem vender a casa da família onde Gabo (um de seus apelidos) viveu com os avós, até os 8 anos. Sacolejando em um velho trem, ao lado de galinhas e porcos, além de cruzar a umidade e as nuvens de mosquitos da zona bananeira, tornou-se um rito de passagem para Gabriel García Márquez.

A viagem não ganha só contornos sentimentais, pois o escritor revela que tudo que escrevera até então era fadado ao fracasso, porque eram “pura invenção retórica sem base em verdade poética”. O universo onírico de Aracataca funda boa parte de seus romances – como Cem Anos de Solidão e Crônica de Uma Morte Anunciada. Depois de voltar à aldeia, pôde ser universal.

Cronologia própria

Como em seus romances, a cronologia não é rigorosamente respeitada nas memórias. Márquez também não se preocupa em revelar detalhes sobre sua história. Sua instrução política, por exemplo, hoje marcada pela conversão ao socialismo, é narrada de forma esporádica, apesar de não esquecer de nenhum dos professores que lhe deram acesso aos “apóstolos da revolução proletária”.

O escritor explica ainda suas influências literárias, citando primeiro William Faulkner. Conta suas dificuldades em ler Dom Quixote, de Cervantes, até que o pudesse compreender, para se apaixonar. Também passa por James Joyce (Ulisses), Thomas Mann (A Montanha Mágica). Nomes, conhecidos ou não, passeiam pelas memórias do escritor, que não se preocupa com detalhes exatos – antes do primeiro capítulo, suas primeiras palavras já preparam o leitor: “A vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”.

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