Violinista Daniel Hope se apresenta na Sala São Paulo

As Quatro Estações de Vivaldi pertencem àquele grupo de peças que você já ouviu mesmo sem nunca ter pisado em uma sala de concertos. Em comerciais, enquanto espera uma ligação, no cinema, na televisão, talvez em um elevador ou em uma loja de departamentos – ela está em todo lugar. E essa sensação deu ao compositor Max Richter a impressão de que, depois de ouvir tanto a peça, sabíamos pouco sobre ela. Ele então resolveu escrever uma nova versão da obra. “A ideia dele era, ao desconstruir a peça, voltar às suas origens. É como colocar um quadro clássico, uma obra-prima, em uma nova moldura”, explica o violinista inglês Daniel Hope, que interpreta a peça na semana que vem, na Sala São Paulo, abrindo a temporada do Mozarteum Brasileiro ao lado da orquestra Arte del Mondo.

Ao definir a proposta de Richter, Hope poderia estar falando da própria carreira. Aos 40 anos, ele fez da releitura de clássicos – e da proposta do diálogo entre eles e outras artes – a marca de sua carreira. Não apenas no palco. Vencedor do Grammy, faz discos em que se inspira em elementos tão distintos como a investigação de autores perseguidos pelo nazismo ou as teorias de Pitágoras. É autor também de quatro livros, assina dois documentários, atua em projetos teatrais. E, com isso, conquistou um espaço só seu no cenário erudito.

A primeira paixão de sua vida, ele conta, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, foi o violino. Hope nasceu em Durban, na África do Sul. Seu pai, Christopher Hope, era um escritor e ativista antiapartheid. E, quando o filho tinha apenas seis meses, conseguiu um visto para deixar o país e se exilar na Europa. Passaram por Paris e se estabeleceram em Londres. Lá, a mãe de Hope começou a trabalhar como secretária do violinista Yehudi Menuhin, lenda do instrumento no século 20, de quem se tornaria agente. “Com 2 ou 3 anos, disse a meus pais: quero ser violinista. Era natural. O convívio com a música em casa e, depois, com Menuhin e todos os grandes artistas que giravam em torno dele, me marcou, me fascinou.” E ele então começou a se dedicar ao instrumento.

“Mas, aos 15 anos, passei por uma mudança. Eu amava o violino, mas comecei a entendê-lo apenas como um veículo para que eu pudesse desenvolver minha curiosidade com relação ao mundo. O instrumento não era um fim em si mesmo, mas, antes, um modo de eu me conectar com os meus sentimentos com relação à música e a arte de modo mais amplo”, conta o artista. E, depois de um começo que pode ser considerado mais convencional, em que ele atuava como solista de grandes orquestras e chegou a integrar o Trio Beaux-Arts, ao lado do pianista Menahem Pressler e do violoncelista brasileiro Antonio Meneses, ele resolveu alçar novos voos. Seus projetos de disco começaram a ser acompanhados de documentários e livros; o violino passou a conviver com horas de pesquisa em bibliotecas e universidades. E, em seu dia a dia, a encomenda de novas peças começou a ter importância semelhante à releitura do grande repertório.

“Eu não consigo entender quando alguém diz que está cansado de Mozart, de Beethoven. Se você está disposto, pode se aprofundar cada vez mais na música desses e de tantos outros mestres. A conversa com eles é sempre fascinante, você vai deixando de lado a superficialidade e fica cada vez mais envolvido com o mundo de possibilidades que eles oferecem. De certa forma, as peças desses autores estão sempre sendo compostas novamente, e o trabalho do intérprete é fundamental nesse processo, em busca de novas inspirações. Agora, encomendar novas obras é um prazer diferente. Você pode de fato ligar para o compositor e tirar alguma dúvida, fazer perguntas que você adoraria fazer a Schubert e Beethoven, mas não pode”, diz Hope, que prepara atualmente a estreia de um concerto de Gabriel Prokofiev, neto do compositor russo.

Foco

Mas o poder de criação do intérprete, para Hope, está também no diálogo que ele é capaz de promover entre diferentes formas de arte. “Explorar a criação artística de modo mais amplo obviamente faz de você um músico melhor, estimula a sua criatividade e relembra a importância de saber se comunicar”, ele explica, citando as transformações pelas quais o mundo tem passado. “É engraçado como violinistas do século 19 parecem ter mais a ver com nosso tempo do que artistas do século 20. Um artistas como Joseph Joachim (contemporâneo de Brahms e Tchaikovski) entendia a música como parte de um processo artístico amplo. Mas, depois de Liszt e Paganini, nada importava, apenas a simples presença do virtuose em cena. Isso não faz sentido hoje. Com a internet, a tecnologia, você tem a chance de criar mensagens mais complexas e levá-las a um número ainda maior de pessoas.”

Hope dá como exemplo dessa proposta o seu novo disco, que acaba de gravar para o selo Deutsche Grammophon, Escape to Paradise – projeto que está ligado a um outro disco seu, lançado em 2007, e dedicado a compositores que foram mortos pelos nazistas em campos de concentração. “Em Refuge in Music, tratei dos compositores que não sobreviveram ao nazismo. Agora, quero falar dos que conseguiram escapar, mais especificamente daqueles que deixaram a Europa em direção a Hollywood. São compositores como Erich Korngold, Miklós Rózsa, Hans Eisler, que tentaram a sorte escrevendo trilhas de cinema, por exemplo.”

O disco será acompanhado por um livro e um documentário, que terão como tema o exílio, “fruto de pesquisas que tem realizado nos últimos 20 anos”. O pai de Hope foi um ativista, sua família também viveu no exílio. Ele enxerga uma relação entre as duas coisas? “Acredito que não posso negar que existe pontos de contato entre a trajetória familiar e a minha carreira, ainda que se dê de modo inconsciente. O povo judeu vive no exílio há 200, 300 anos e meu pai optou pelo exílio como forma de garantir a sobrevivência de sua família. Tudo isso está no meu DNA, digamos. Mas, mais do que o exílio propriamente dito, o que me fascina é a história. Se eu posso unir a pesquisa histórica à música, então estou no melhor dos mundos. Estou feliz.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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