M. Night Shyamalan já tinha três filmes no currículo quando ocorreu o estouro de O Sexto Sentido. A história do garoto que conversava com os mortos fez sucesso de público e crítica, ganhou indicações para o Oscar. Seguiu-se Corpo Fechado, outro sucesso, e um filme que deu origem a um verdadeiro culto. David Dunn/Bruce Willis sobrevive a um acidente de trens e encontra o Elijah Crumb, o Sr. Vidro (Samuel L.Jackson), que tenta convencê-lo de que escapou porque possui superpoderes. Passaram-se 17 anos – de altos e baixos para o diretor – e aí ele surpreendeu de novo com Fragmentado, sobre as múltiplas personalidades, mais de 20, do personagem de Kevin/James McAvoy.
Surpreendeu mais ainda ao revelar que era a segunda parte de uma trilogia iniciada com Corpo Fechado. O fecho chega nesta quinta, 17, aos cinemas brasileiros, com Vidro. Na tela, o trio David/Elijah/Kevin chega ao fim de sua saga.
Em dezembro, Shyamalan esteve em São Paulo para participar da CCXP. Veio falar sobre sua trilogias e antecipar cenas de Vidro. Levou o público ao delírio em seu painel. “Thank you guys, por haverem acreditado que era possível refletir sobre a complexidade dos comic-books e dos super-heróis.” Shyamalan falava com seu público-alvo. Um evento em que as pessoas se vestem como seu super-herói (ou super-heroína) preferido(a) é o lugar certo para discutir poderes especiais.
Na Comic-Con, Shyamalkan mostrou os 22 minutos iniciais – eletrizantes – de Vidro. Davids, transformado em vigilante, caça um assassino de mulheres que, nesse momento, mantém um grupo de garotas em cativeiro. Kevin, ora travestido de garoto, de mulher, é o guardião da Fera, sua personalidade mais terrível. Presos, os dois vão parar no instituto de segurança máxima em que uma médica faz experimentos com pessoas que se consideram especiais (e super-heróis).
Mas vejam só se o Sr. Vidro não está confinado no mesmo hospital? O trio reunido prepara o desfecho da trilogia que Shyamalan começou a construir há quase 20 anos. E aqui não tem como fugir ao spoiler. Cuidado – o tema de Vidro é a teoria da conspiração para evitar que o mundo saiba dos super-heróis entre nós. Felizmente (?), existem as redes sociais para reafirmar os mitos. Veja para saber como.
Infelizmente, esse que seria o aspecto mais interessante para discutir com Shyamalan não estava claro naquele momento, quando nem a imprensa nem o público da CCXP haviam visto o desfecho de Vidro. Teorias da conspiração em que os gênios do Vale do Silício querem controlar as mentes – e até as economias do mundo – são temas de numerosos livros. Shyamalanm brinca que ninguém – na Disney – entendeu muito bem o que ele estava tentando criar. Um Shyamalan Marvel? “Não é um filme convencional de super-heróis, mas um comic book thriller, e um thriller psicológico, em que as coisas da mente estão intrincadas com as do físico”, esclareceu o diretor e roteirista em seu encontro com o repórter do jornal O Estado de S. Paulo.
Ele explicou que Bruce Willis e Samuel L. Jackson embarcaram de cara na viagem. Desde o começo, sabiam que Shyamalan estava querendo criar uma trilogia e o incentivavam. “Passou-se muito tempo até que eu conseguisse fazer Fragmentado, e a espera valeu, porque se tivesse feito o filme antes talvez nunca tivesse encontrado James (McAvoy). E ele é extraordinário, o melhor intérprete que eu poderia ter encontrado para as múltiplas personalidades de Kevin.”
Tão bom que é pena que o filme esteja estreando somente em janeiro nos EUA, o que impede McAvoy de ser indicado para o Oscar. “É a interpretação de uma vida, mas de qualquer maneira, duvido que o indicassem porque esse tipo de filme não entra nas indicações dos votantes da Academia. Sabendo disso, não corremos para estrear em dezembro, quando havia muita concorrência, e esperamos por janeiro. O próprio James aceitou.”
Samuel L. Jackson era o mais ansioso. “Cada vez que o encontrava, às vezes podia ser de longe e ele gritava – Hei, Night, e como está o nosso ‘fucking movie’? Quando vamos dar um fim a essa coisa?” Na mente do próprio Shyamalan, sempre havia esse conceito de que a trilogia deveria terminar com o confronto final entre David Dunn (Willis), Elijah/Vidro (Jackson) e Kevin/Fera (McAvoy). “Não tinha muito claro no início, mas aos poucos se definiu para mim que teria de ser num instituto psiquiátrico. E só bem depois eu percebi que esse terceiro filme deveria ser o meu Um Estranho no Ninho” – Shyamalan refere-se ao clássico de Milos Forman que, em 1975, venceu o chamado Big Five, os cinco Oscars principais, incluindo filme, diretor, roteiro (adaptado), ator e atriz (Jack Nicholson e Louise Fletcher).
Se há uma coisa que Shyamalan não se furta a analisar é o elemento de horror presente em seu cinema. “Não creio que o objetivo final desses filmes seja o horror, mas quero que sejam assustadores e provoquem medo no espectador. Se eles têm horror, têm também humor. E eu não sei, talvez seja uma ideia muito minha, mas, para mim, o horror é uma coisa masculina e o tipo de thriller psicológico que prefiro é mais feminino.”
“A verdadeira personagem de terror do filme é a médica, que age daquela maneira tão racional. Sarah (Paulsen) é fantástica no papel. Aliás, sou privilegiado, porque você pode discutir o que quiser nos meus filmes, mas os elencos são sempre muito bons).” Sarah Paulsen é conhecida principalmente por séries de televisão (Studio60 on the Sunset Strip, American Horror Story, American Crime Story). É a chave de Vidro. Tudo o que o filme tem de inesperado, surpreendente e revelador passa através dela, com sua boca desenhada com batom além dos lábios e os olhos que expressam compaixão e algo mais. Esse algo mais é o que move Shyamalan. Alguma possibilidade de um quarto filme? “No way, sempre pensei em três e aqui terminam.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.