Zuza Homem de Mello estava lá quando Ella Fitzgerald, já na última década de vida, surgiu silenciosamente no palco JVC Jazz Festival, no Lincoln Center, em Nova York. Entrou sem música alguma ao fundo, com seu conjunto a aguardando. Caminhou até a frente do palco e viu uma plateia a aplaudindo de pé, de uma forma que o jornalista jamais viria de novo. “Aquilo foi impressionante”, recorda. Ella estava debilitada pela diabete. Usava óculos de lentes grossas, sua voz não era a mesma, mas a história já estava escrita.
Na semana em que a primeira dama do jazz (“the first lady of jazz”, como é conhecida no mundo) completaria 100 anos (na terça, 25 de abril), Zuza recebe o público no centro de cultura Espaço Uirapuru para uma imersão cronológica na música e na história da voz feminina do século 20. A partir das 20h, as pessoas se acomodam nas cadeiras da sala preparada acusticamente para a audição de vinis e inicia a experiência.
A trajetória começa com Ella menina cantando na orquestra do baterista Chick Webb nos anos 30. Segue com a garota já assinando o agrupamento depois da morte de Webb, contratada pela gravadora Decca, e lançando-se em carreira solo. “Fiquei cinco dias ouvindo Ella sem parar para montar a audição”, diz Zuza. Em 1940, as revistas especializadas já apontam Ella como um grande acontecimento.
Quando chega 1946, Ella assina um contrato para a vida toda com o executivo Norman Granz, que vai estabelecê-la na gravadora Verve até o final de sua vida. É lá que, em 1950, Ella e Granz inauguram o conceito do songbook ao lançarem uma caixa de cinco discos dedicados à obra de George Gershwin, um material que fará parte da noite.
Ella ganha um Grammy pelo trabalho e Granz se empolga. Faz com a cantora outros projetos temáticos de grandes autores da música norte-americana e termina por lançar o que, para Zuza, seria o grande erro de sua carreira: um disco com músicas de Tom Jobim. “Esse é um álbum insuportável, o arranjador não tem percepção do que é a música de Jobim.” Se vai tocar algo desse trabalho na audição? Zuza sorri: “Jamais, não toco disco ruim”.
Em 1956, os céus se abrem e Ella encontra Louis Armstrong pela primeira vez em disco. O álbum da lady e do rei do jazz de New Orleans é lembrado por Zuza na faixa Moonlight in Vermont.
O autor Lorenz Hart, indomável beberrão de alma livre, também entra na história com a audição de Theres a Small Hotel. “Ele não respeitava um compromisso, mas quando compunha, não tinha pra ninguém”, diz Zuza. Chega então a fase de Ella como cantora de jazz, não mais de canções, e ela é fortalecida com o lançamento do songbook de Duke Ellington. No concerto de lançamento, em 6 de abril de 1958, no Carnegie Hall, Zuza estava na plateia. Por isso, “assistir” às suas memórias é um ato raro e imperdível.
ELLA FITZGERALD 100 ANOS
Espaço Uirapuru. R. Comendador Paulo Brancato, 49; 2639-9065 e 98993-3160.
5ª (27), às 19h. R$ 40 e R$ 60.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.