Durante os ensaios, Gabriel Villela era sempre seguido de perto por dois fiéis escudeiros, Ivan Andrade e Daniel Mazzarolo, seus diretores assistentes.
Carinhosamente chamados de “meninos da USP” pelo encenador, eles auxiliaram ao fornecer indicações a Villela tanto em relação ao planejamento como um todo do projeto como apontar os meandros do texto de Nelson Rodrigues.
“Li a tese do Sábato (Magaldi, grande crítico e um profundo conhecedor da obra do dramaturgo) e, como ele, o que me chamou atenção foi a forma como o texto do Nelson é construído”, comenta Mazzarolo. “O público só tem conhecimento do personagem do Boca de Ouro por meio do olhar de Dona Guigui.”
Ele também acredita que Nelson tinha conhecimento do filme “Rashomon” (1950), em que Akira Kurosawa descreve um estupro e um assassinato por meio dos diferentes relatos de quatro testemunhas. “Mas, em Boca de Ouro, tudo é visto por meio do relato parcial e subjetivo de Guigui”, continua. “E tudo muda de acordo com seu estado de humor.”
“A personagem deixa de ser pobre, primária, identificável por um traço, para conter uma infinidade de características, mesmo aparentemente contraditórias”, comenta Magaldi na introdução de “Boca de Ouro”, em seu trabalho de consolidação da dramaturgia de Nelson Rodrigues. Segundo ele, atingido pela realidade, a imagem subjetiva do personagem atingia um radicalismo absoluto.
Isso aproxima a obra do escritor carioca à de outro autor igualmente clássico, o italiano Pirandello, para quem o indivíduo não é uno, mas a soma da imagem que cada um tem de si com a visão dos outros.
“Isso permite várias possibilidades na criação da encenação”, comenta Ivan Andrade, que auxilia Villela na organização. “O planejamento do dia a dia é importante porque, ao se entender melhor a concepção, há mais liberdade para se improvisar”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.