Ela marcou presença num dos mais importantes espetáculos de Gerald Thomas da década de 1980, Eletra com Creta; capitaneou encenação singular de Márcio Meirelles, juntamente com o Bando de Teatro Olodum, de Medeamaterial, de Heiner Müller; e mergulhou no universo de Samuel Beckett com os irmãos Adriano e Fernando Guimarães. Agora, Vera Holtz revela ao público um novo capítulo de sua carreira teatral repleta de desafios. Em Timon de Atenas – que tem estreia agendada para esta sexta-feira, 10, no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro -, a atriz interpreta o personagem-título da peça de William Shakespeare, que conta com tradução de Barbara Heliodora. “Não gosto do que chega pronto para mim. Sinto que nem sei fazer”, declara Vera.
A atriz é conduzida por Bruce Gomlevsky, diretor e ator que conheceu no começo da jornada de Pérola – espetáculo que Vera protagonizou ao longo dos cinco anos em que ficou em cartaz. “Ele pediu ao Mauro Rasi para acompanhar os ensaios”, relata. Em Timon de Atenas – peça centrada no mecenas alienado que procura agradar quem está à sua volta, mas perde tudo em meio ao contexto instável e se vê endividado e sem prestígio -, Bruce decidiu encenar a adaptação do National Theatre de Londres (a cargo de Nicholas Hytner e Ben Power), apresentada em 2012, que transporta a obra original para os dias de hoje. “Considero bastante propício montar essa peça num tempo de mudanças como o que estamos atravessando”, afirma Vera, à frente de um conjunto de 28 atores que reúne nomes
como Tonico Pereira e Alice Borges.
A ousadia da operação sobre o texto de Shakespeare remete a outro espetáculo com Vera no elenco: Um Certo Hamlet, primeira encenação da companhia Os Fodidos Privilegiados, sob a direção de Antônio Abujamra, no início dos anos 1990. “Este projeto surgiu do meu contato com Abujamra em Que Rei sou Eu? Ele propôs formarmos um grupo”, lembra Vera, mencionando a bem-sucedida novela de Cassiano Gabus Mendes. Na livre apropriação de Abujamra do texto de Shakespeare, Vera se desdobrava entre Gertrudes e Ofélia. Permaneceu com o grupo no espetáculo seguinte, Phaedra, tragédia de Jean Racine.
Abujamra foi um grande parceiro profissional de Vera. O mesmo pode ser dito em relação aos Irmãos Guimarães. Sob a orientação deles, Vera atuou em peças de Beckett. “Em Dias Felizes, ela ficava presa da cintura para baixo e depois do pescoço para baixo dentro de um armário hospitalar. Em Balanço, emocionava a plateia ao contracenar com a sua voz”, garante Fernando Guimarães. Vera se identificou com os Guimarães no vínculo com as artes plásticas. Este campo também a aproximou de Guilherme Leme Garcia. “Vemos várias exposições, tanto no Brasil quanto no exterior”, diz Guilherme.
A ligação de Vera com esse campo é antiga. Afinal, quando morava em Tatuí, sua cidade natal, cursou Artes Plásticas e Desenho Geométrico, com especialização em Geometria Descritiva, na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras. As artes plásticas influenciaram Sonhos para Vestir, solo da atriz Sara Antunes, dirigido por Vera, valorizado pelo cenário de Analu Prestes. O elo com as diversas artes é herança de família. “Meu tio era pintor e minha tia, professora de canto orfeônico”, informa Vera Holtz.
Antes de descobrirem a paixão comum pelas artes plásticas, Vera e Guilherme atuaram juntos na novela De Corpo e Alma, de Gloria Perez. Em seguida, dividiram a cena em Medeamaterial. Este projeto fez com que morassem durante seis meses em Salvador. Anos depois, Vera dirigiu Guilherme no monólogo O Estrangeiro, a partir da obra de Albert Camus. “Ela exigiu de mim um registro minimalista. Foi bem rigorosa, nesse sentido. Como atriz, Vera tem uma personalidade exuberante, mas domina a sutileza, a exemplo de sua interpretação em Palácio do Fim”, aponta Guilherme, citando a elogiada atuação de Vera na montagem de José Wilker para a peça de Judith Thompson.
Como se pode perceber, Vera se envolveu, no decorrer de seu percurso, com projetos autorais. Nos anos 1980, trabalhou com encenadores como Marcio Aurelio (em Ópera Joyce, de Alcides Nogueira) e Gerald Thomas. “Fiz um curso com Gerald na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e partimos para a montagem de Eletra com Creta. Ele nos colocou em sintonia com o mundo contemporâneo. Falou conosco sobre Hélio Oiticica e Lygia Clark”, destaca. Vera transitou pelo gênero musical em encenações como a revista Sem Sutiã, de Celina Sodré, Theatro Musical Brasileiro 1 e 2, montagens de Luís Antônio Martinez Corrêa, e Lamartine para Inglês Ver, de Antônio de Bonis. A conexão com essa vertente foi natural para Vera, que cursou o Conservatório de Música, em Tatuí. Além da ousadia, a versatilidade surpreende na sua trajetória. “Não crio raízes. Sou muito curiosa”, assume. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.