Depois de perder a mãe, um menino passa a infância a conviver com a lembrança que ela deixou pela casa. Lembra do jeito generoso que ela cortava tomates e do carinho que lhe tinha. Com a saudade enterrada na alma, observa os irmãos lidarem com a falta. Um deles come vidros. Outra, borda sem parar. O menino em questão é o escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, 66 anos, que revisita a própria infância na novela de cunho autobiográfico “Vermelho Amargo”, que acaba de ser lançada pela editora Cosac Naify.
“Não existe memória pura. O livro foi feito do que vivi e do que inventei”, conta Queirós. O escritor tem mais de 40 obras publicadas – algumas traduzidas para o inglês, o espanhol e o dinamarquês. Em 2003, recebeu o prêmio O melhor da Literatura Infantil, da Academia Brasileira de Letras, por “Até Passarinho Passa”. Venceu o prêmio Jabuti 2008 na categoria melhor livro infantil com “Sei por Ouvir Dizer”. E, no ano passado, foi finalista do Hans Christian Andersen, principal premiação internacional para a literatura infantil e juvenil. “Vermelho Amargo”, com suas 65 páginas contundentes, chega, porém, com força na literatura brasileira contemporânea destinada a adultos.
Por meio de uma prosa poética, o autor consegue falar de sentimentos dilacerantes com uma delicadeza e sensibilidade que conferem mais peso ao que é dito. “Escrevi a obra em seis meses, escolhendo cada palavra, em sua sonoridade e dimensão”, conta.
Isso fica patente na construção dos parágrafos que poderiam, perfeitamente, serem poesias independentes do conjunto da obra. Mesmo fortes o suficiente para desgarrarem-se da história, é a união desses parágrafos/poesias que rouba o fôlego do leitor. Queirós não dá respiro e sua narrativa também poderia ser considerada um ensaio sobre a dor e a capacidade de amar.
Há um paralelo possível entre este trabalho e outros livros consagrados, apesar do autor negar tais influências. “Vermelho Amargo” lembra o escritor Graciliano Ramos em “Infância”, que conta a história de um menino que sofre a falta do amor da mãe. Também traz à memória a profundidade e a maneira de abordar os temas familiares do escritor Raduan Nassar, em “Lavoura Arcaica”. Mas, independentemente desses pontos convergentes, a obra de Queirós apresenta um caminho próprio, pautado pelas subjetividades internas que o autor soube expor brilhantemente. Quem já amou, já sofreu ou experimentou ambos, acaba encontrando eco em suas palavras. As informações são do Jornal da Tarde.
