Vera Holtz sabe rir de si própria. Tem bom senso e percepção artística para fazer da interpretação um álibi para enxergar e confessar suas fragilidades com um humor peculiar e sedutor. Aos 56 anos de idade e uma estréia tardia na tevê há 20 anos, na emblemática Que rei sou eu?, de Cassiano Gabus Mendes, a paulista da pequena cidade de Tatuí elogia com facilidade seu trabalho sem escorregar na soberba.

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E sempre fez questão de não camuflar o peculiar sotaque que a acompanha há mais de 20 personagens de características tão diversas na tevê. A atriz se diverte ao dissecar a característica de cada papel de maior destaque na tevê, e ergue o queixo orgulhosa da vilã de desenho animado que criou em Três irmãs, na Globo.

Na pele e nos cabelos cada vez mais alvos de Violeta, a pérfida malfeitora inspirada em maquiavélicas personagens das histórias infantis, Vera se debruça animada na análise da ingenuidade desses tipos tão cruéis. Por isso mesmo, faz questão de trazer humor mesmo aos personagens mais densos. “A atuação foi meu grande encontro na vida. A arte me permite viajar com lucidez e estar lúcida é a maior droga que existe hoje”, filosofa.

P – A Violeta tem uma vilania de desenho animado. Normalmente você é escalada para personagens menores que aos poucos se destacam. O que muda com essa personagem?

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R – Ela é muito rica, inteligente, estrategista, objetiva. Bem diferente de todos os meus outros papéis. É a primeira vilãzona e que me surpreendeu aos poucos pela dimensão de antagonista. Ela é quase uma artilharia montada naquela cidade. Tem uma trincheira contra os inimigos. Esse espírito bélico dela é totalmente racional. Ela é uma estrategista. Gosto dessa diversidade de personagens. Acho bom que os autores já saibam que gosto de papéis que alimentam meu imaginário. Acho legal mudar completamente de um personagem para outro. Senão, não me sinto muito estimulada.

P – Essa linguagem leve do horário das sete permite uma composição com tintas mais fortes. Ela parece ter referências de vilãs de contos de fadas, como a madrasta da Cinderela ou a Cruela Cruel dos 101 Dálmatas. Foi intencional?

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R – (Risos). Totalmente. Dá para fazer essa linguagem bem lúdica. No início da composição, estava filmando o longa Família vende tudo, de Alain Fresnot, que vai estrear em maio. Já estava de cabelo branco para o filme e achei lindo. Tinha de achar um jeito de continuar com aquela cor no cabelo. Ali começou a surgir a Violeta, essa mulher exuberante, mandona, poderosa, bem diferente de minha última personagem, a Marion de Paraíso tropical.

P – Deixar o cabelo branco, natural, faz com que você caminhe na contramão de toda a valorização da estética contemporânea, de que a mulher não deve mostrar que está envelhecendo. Como lidou com isso?

R – Acho que o filme O diabo veste Prada deu muita liberdade para as mulheres. Chamou atenção para a mulher de cabelo branco através da poderosa personagem de Meryl Streep. Esse papel foi libertador. A americana usa o cabelo branco e a européia sempre usou. O nosso país, bem mais jovem, quer ter um padrão de juventude permanente. Tem mulher que não pode ver um pêlo branco na sobrancelha que fica desesperada. Acho que fiquei bem bonita, deu uma beleza de meia idade serena, uma suavidade.

P – Você também insere humor em todas as suas personagens. Por mais dramáticas que sejam, sempre existe uma leveza nas entrelinhas. Qual o objetivo?

R – Busco sempre dar humanidade. A Marion, por exemplo, era uma personagem muito sombria e acabou ficando simpática. Essa é minha assinatura. Tento não deixar as vilãs tão más e radicais. Acho que as más têm de ser sedutoras, exuberantes, senão não conseguem se manter, m,esmo que tenham um séquito de oportunistas. Têm de exercer um fascínio, senão ninguém ficaria perto delas.

P – Mas a Violeta começou a ficar humanizada quando soube que é mãe da Suzana, da Carolina Dieckmann. Isso também ajuda a desarmar a vilania dela?

R – A maternidade é redentora para ela. De alguma forma, é na filha, no filho que morreu e no neto que estão a humanidade dela. Ela tem loucura por eles. A morte do filho foi um grande golpe para ela. Mas o mais legal que vai acontecer com ela é a exploração da sensualidade. Ela se envolve com o mafioso Genaro (de Otávio Müller) e eles se apaixonam. Ela é muito carente e vai ficar mais leve, mais suave com as três irmãs.

P – Você ainda tem um sotaque bem carregado, que já foi incorporado pelos seus mais diversos personagens na tevê. Em algum momento ele atrapalhou sua carreira?

R – O meu primeiro papel na tevê, a Fanny em Que rei sou eu?, nem tinha tanto sotaque. Mas depois ele foi aparecendo. Como meu grande sucesso foi com a peça Pérola, do Mauro Rasi, que ficou anos em cartaz e a personagem era uma caipirona, o público se acostumou. Acho que as pessoas não se assustam mais com essa diversidade de sotaques do Brasil.

P – Como você lida com o ego ao completar esses 20 anos de carreira na tevê e uma multiplicidade de papéis distintos e bem-sucedidos?

R – Nessa altura da vida, o meu ego está bem domado porque os interesses mudam muito, nossa cabeça se transforma. Ultrapassei grandes barreiras, como ficar anos fazendo uma peça de sucesso, como foi o caso da Pérola. Eu achava que eu era o centro do mundo, o máximo. Depois de papéis importantes na tevê e aprender a lidar com a imprensa, você precisa se comportar normalmente, não me assusto mais com assédio e sucesso. Procuro outras respostas, solucionar o mais simples na minha vida, conviver com o meu cotidiano.