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Vencedor do Booker Prize, Marlon James constrói narrativa alucinada

Com influências de Faulkner, Roberto Bolaño, X-Men e da música pop, e um comprometimento sem hipocrisia com a realidade histórica, o escritor jamaicano Marlon James montou um mural de personagens, estilos, épocas e regiões, entre a Jamaica e os EUA, em Breve História de Sete Assassinatos, romance que a Intrínseca lança agora no Brasil. James veio à Festa Literária Internacional de Paraty apresentar o livro e conversar, na noite deste sábado, 29, com o americano Paul Beatty – outro autor cáustico preocupado com a questão histórica das relações raciais. Ambos levaram o Man Booker Prize, em 2015 e 2016, respectivamente, e o encontro dessa noite é um dos mais aguardados da Flip.

Breve História… é um livro enorme de 700 paginas que começa em 1976, entre as favelas de Kingston, capital da Jamaica e é narrado por diversos personagens – a violenta abertura do romance deixa uma impressão forte, mas a história vai bem além disso e se transforma num épico que passa pela tentativa de assassinato de Bob Marley, avança no tempo e extrapola as fronteiras da Jamaica. A multiplicidade de vozes guarda ecos de Roberto Bolaño em Os Detetives Selvagens.

“Foi uma influência tão grande que em um ponto eu tive que me livrar dela”, disse James na tarde de sexta-feira, 28, numa pousada em Paraty. “No livro de Bolaño, o enredo não se move tanto. O que se move são as vozes contando essa história. Eu não quis essa fórmula. Quando me apaixono por um personagem, mesmo pelos vilões, quero saber aonde eles vão.”

Assim, James conduz a história dos sete rapazes que invadiram a casa de Bob Marley – que tem uma presença meio fantasmagórica no livro, sempre sendo chamado de O Cantor – em 1976 e os acompanha quando eles se movem, dentro do crime, na Jamaica e nos EUA.

James é também professor de escrita criativa em St. Paul, Minnesota, e diz não acreditar no realismo na literatura. “As ficções criam realidades. Mesmo uma autobiografia é a opinião de apenas uma pessoa. Mas também penso que quando escrevo, tenho que respeitar o evento histórico, mesmo sendo um romance. Tudo que Bob Marley diz no livro ele realmente disse.” Para ele, a mágica acontece ao contar a história das outras pessoas, que se tornaram invisíveis pelo tempo, cujas histórias não ficaram gravadas nos registros.

“Saí da Jamaica em 2007. Fiquei surpreso com a recepção do livro lá, foi ótima. É uma história dolorosa sobre a qual não falamos. Para muitos jamaicanos, o livro foi um acerto de contas com esse tempo.” O romance tem muito de Cidade de Deus no sentido de contar a história a partir de favelas, mas revelar com elas temas que afetam toda a sociedade: violência policial desmedida, autoritarismo, esquemas políticos à revelia da vontade do povo, influência, muitas vezes nefasta, da política externa norte-americana em países da América Latina, todas eles muito marcados pelo racismo. E por aí vai. “Na Jamaica, estávamos cansados do passado controlando o presente e o futuro. O livro, acredito, é uma chance de vencer isso”, disse.

O escritor contou ter uma trajetória parecida com a de Lima Barreto, homenageado desta edição da Flip – veio de uma classe média baixa, mas teve chance de estudar, ir para a Universidade, e eventualmente escrever. “Não acredito muito no papo de atenuar a questão da cor da pele”, diz James. “Nos EUA pessoas dizem ‘eu não vejo cor’… claro que não, quando você está num evento com outras 100 pessoas brancas”, comparou. “Não acredito que devamos andar em direção a uma sociedade sem raças, mas, sim, para uma sociedade que aprenda a aproveitar as diferenças. Poder dizer ‘gosto de você porque você é um autor negro’, e não ‘apesar de você ser negro’.”

A homenagem a um autor negro que tem que continuar sendo recuperado, para James, faz parte de um processo estrutural contínuo. “Nunca vamos terminar de fazer isso. Sociedades como as nossas nunca estarão quites com a questão do racismo histórico. Então é um processo, não uma meta. O problema de sermos tão obcecados com objetivos é que, se não é possível concluí-lo, nunca ninguém vai tentar. É outra coisa.”

James está trabalhando agora em uma trilogia de livros que vai partir da cultura africana – a imprensa internacional já nomeou os livros de “Game of Thrones africano”, mas ele ri quando ouve falar disso. “É mais como As Mil e Uma Noites africanas”, comentou. Se não saísse da boca do autor de Breve História, a frase pareceria petulante. Mas não é.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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