Mais que um merchandising social, Velho Chico, a novela das 9 da Globo, tem desfilado um merchandising ambiental como nunca antes se viu em telenovela. E vem mais por aí. O resultado de toda uma reflexão trazida por Miguel (Gabriel Leone) ganha força de resultados nos próximos capítulos, com um projeto de agrofloresta que visa à recuperação de um solo desgastado pela ganância dos Saruês, como dizem na trama de Benedito Ruy Barbosa, Bruno Luperi e Edmara Barbosa – que deixou o roteiro, mas participou dessa concepção – e direção de Luiz Fernando Carvalho.
Não é obra simples permear um enredo de ficção pincelando dicas sobre o dano dos pesticidas, o valor dos orgânicos, da agricultura familiar. A tal sintropia engloba técnicas de recuperação do solo com métodos de plantio capazes de produzir a regeneração de florestas, com uso de recursos naturais e sem uso de fertilizantes ou devastação da mata.
Parece conversa de Globo Rural, mas vale mais: o recado captura uma audiência quatro vezes maior e vem embalado em meio aos conflitos do melodrama gerido pelo amor impossível de Santo (Domingos Montagner) e Tereza (Camila Pitanga), dos quais faz parte o apaixonado combate à oligarquia e à ganância do coronelismo representado pelo Saruê (Antônio Fagundes), com envolvimento só dos personagens que estão do lado bom da força do enredo.
Leone participou de workshop sobre o assunto e passou três dias imerso na fazenda do suíço Ernest Gotsch, que resgatou uma área relevante na Bahia, ao longo de 30 anos. “O ponto-chave da sintropia é a questão do homem rever sua relação com a natureza, de a gente parar de se enxergar como ser superior”, diz ele, carioca, que só conhecia boa parte desse assunto pelo lado teórico. “A novela vem apontando alguns dramas reais. Estamos tendo uma oportunidade muito rara, num esforço maior com os autores e a direção, para que a mensagem seja informativa, que conscientize, que ela comunique, sem que as pessoas tratem como assunto chato.” Leone conta que tem recebido retorno de estudantes de agronomia citando a novela como espelho para novo aprendizado acadêmico.
Domingos Montagner conta que o colega Marcos Palmeira, que na novela vive Ciço e na vida real cultiva produtos orgânicos, tem funcionado quase como um consultor no set. “Ele comenta a dramaturgia, dá sugestões sobre o assunto, é muito bom”, diz. O ator concorda que a novela não tem função documental, mas tudo o que ali é abordado é feito “de forma muito responsável”. “No nosso caso”, continua Montagner, “estamos levantando de um ponto muito positivo, um dos mais fortes desse núcleo, que é ver como se trata a terra, por que ela está esgotada, o rio, a maneira como eles estão sofrendo, os peixes, a intenção da dramaturgia é ver que tudo está interligado”.
Nascida e criada em Campina Grande, como Lucas Veloso, também dito Lucas na ficção, Luci Pereira, a dona Ceci, veio pronta para o papel. Curandeira, é ela quem dará o conhecimento prático das ervas a serem adotadas nas técnicas científicas trazidas por Miguel. “Fui criada por meus bisavós”, ela conta, “e cresci vendo meu bisavô fazer garrafadas (de ervas) para problemas de próstata”.
Lucas e Giulia também participaram do workshop de Ernest. “É muito bom que a gente esteja falando disso numa novela”, endossa Giulia, com eco de Montagner, Lucas, Gabriel e Luci. Lucas, que também cresceu em quintal de ervas, criado pelo avô, traz de lá o encantamento pelo assunto. “Você é o que você come. Velho Chico trata de várias denúncias, inclusive da falta de amor, dos maus-tratos com o Rio São Francisco, do nosso descuido com o verde, afetando a saúde. Se você tratar a natureza melhor, vai tratar as pessoas melhor e vai se tratar melhor. É um efeito dominó.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.