Inigualável

Um pouco da história de Sammy Davis Jr.

Há algumas semanas, nesta mesma página 3 do Almanaque, o assunto era Wilson Simonal. E a matéria começava assim: “Wilson Simonal foi um dos maiores artistas que o Brasil conheceu. Em um período de aproximadamente sete anos (a partir de 1965, e até o final de 1971, início de 1972), não só ele foi o cantor de maior sucesso – dividindo a popularidade com Roberto Carlos – como foi estrela de TV, showman e até artista de cinema. Foi um entertainer único, que só tem paralelo no norte-americano Sammy Davis, Jr., que tinha talento semelhante”.

E quem era afinal Sammy Davis, Jr.? O que ele tinha que especial, que o tornava um exemplo para todos os chamados entertainers? Bem, Sammy era único. Em 61 anos de atividade artística – dos três aos 64 -, ele foi sinônimo de show. Se o adjetivo multitalentoso existe, ele foi inventado para Samuel George Davis, Jr.

Vamos trazer essa história para o Brasil. Pense em um grande cantor, um intérprete acima de qualquer suspeita. Poderíamos lembrar de Emilio Santiago, certo? Agora, um bom ator, alguém que sempre aparece nas novelas, alguém como Mílton Gonçalves. Vamos juntar neste caldeirão um dançarino, destes que pode até dar aulas por aí. Quem sabe o Carlinhos de Jesus? E para fechar, um especialista em imitações, que pudesse nos enganar caso não estivéssemos vendo, e apenas ouvindo. Um Tom Cavalcante – que além de ter o dom de imitar, que tivesse o timing da comédia e capacidade de criação de textos.

Essa mistura poderia explicar quem era Sammy Davis, Jr. Mas ele não era simplesmente essa união de talentos. Ele tinha a capacidade de, sozinho, comandar horas e horas de shows sem repetir piadas ou canções, imitações ou monólogos.

E tudo começou com a dança, ainda ao lado de seu pai (Sammy Sr.) e seu tio (Will Mastin). Eles faziam apresentações de dança e pequenos esquetes humorísticos quando, em 1942, foram abrir um show da big-band de Tommy Dorsey. Como cantor, um certo Frank Sinatra. A amizade deles durou até a morte de Sammy, em 1990.

Além do traquejo natural para a dança, Sammy Davis teve grandes professores. Em casa, seu pai e seu tio. No cinema, Fred Astaire (“Tudo que sou eu aprendi com ele”, disse em um show). E na vida, Bill “Bojangles” Robinson, um lendário dançarino de rua que foi homenageado na canção Mr. Bojangles, uma das maiores interpretações de Sammy – unindo a dança, a atuação e a voz. Com o talento lapidado, ele brilhou em diversos musicais na Broadway e no cinema, como suas antológicas atuações no filme “Porgy And Bess” e na peça Golden Boy – quando chegou a ser indicado para o prêmio Tony.

Como cantor, Sammy (“Sambo” Davis, Jr., diria Sinatra) teve vários sucessos, alguns deles surpreendentes – além de Bojangles, brilhou em I’ve Gotta Be Me, Something Gotta Give, Hey There, Love Me Or Leave Me, The Party’s Over, Birth Of The Blues. Seu grande êxito veio em 1972, quando o estilo que ele, Sinatra e Dean Martin simbolizavam estava em baixa. Mas recebeu a canção-tema do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, The Candy Man, e chegou ao primeiro lugar na parada da revista Billboard.

Cantando, ele tinha uma grande vantagem sobre todos os seus contemporâneos: uma extensão vocal que o permitia ir às notas mais graves às mais agudas rapidamente. Um exemplo, disponível no YouTube, é sua interpretação de Birth Of The Blues em 1988, no Ultimate Event ao lado de Sinatra e Liza Minelli – quando estes dois se assustam com a qualidade da interpretação (mais assustadora quando se sabe que àquele momento um câncer na garganta já se manifestava – a moléstia que levaria Sammy).

Além disso, ele sempre acertara nas escolhas. Chegou a exagerar em alguns álbuns, indo além da compreensão do ouvinte comum de música popular. Um disco “difícil” é o que ele fez com o violonista brasileiro Laurindo de Almeida – Sammy Davis, ,Jr. Sings and Laurindo Almeida Plays. Totalmente voz e violão, traz versões definitivas de clássicos como Here’s That Rainy Day, We’ll Be Together Again e The Shadow Of Your Smile (esta com um toque de Bossa Nova e até de samba).

Seu esmero chegou a fazer alguns críticos afirmarem que ele era melhor nos shows que nas gravações. Havia motivos para isso – as improvisações e scats que ele colocava nas canções eram envolventes, e nas apresentações ao vivo era possível acompanhar suas imitações. Fazia dezenas de cantores, dezenas de atores – geralmente todos na mesma canção. Um exemplo está também disponível no YouTube, com Sammy fazendo One For My Baby nas vozes de Dean Martin, Tony Bennett, Nat King Cole, Fred Astaire, Frankie Lane e até Jerry Lewis.

Pena que muitas destas gravações, que pintam aqui e ali na internet, não estejam em sua íntegra em DVD. Segundo o site allmusic (www.allmusic.com), há treze vídeos de Sammy disponíveis no mercado – mas quase todos com péssima qualidade de som e imagem. Restam então os retalhos que a “grande rede’ disponibiliza.

Quem tiver a curiosidade de ver, perceberá que o legado de Sammy está vivo na música pop dos Estados Unidos. Para começar, um dos maiores fãs dele era simplesmente Michael Jackson, que chegou a compor uma canção-homenagem ao ídolo quando ele completou sessenta anos (You Were There). Comparar Sammy em Mr. Bojangles e Michael no filme “Moonwalker” é ver criador e criatura. Além disso, o estilo de cantar foi apropriado pelos grandes nomes do funk, do R&B e do hip-hop.

Sammy Davis, Jr. era tudo isso. Ah, e era negro, judeu, foi casado com uma loira nos anos 1960 e não tinha um olho. Foi, segundo os estudiosos em cultura popular dos Estados Unidos, o primeiro negro a ser aceito como grande atração para a classe média – que, como se sabe, é a mais preconceituosa. Mesmo assim, quando casou com a atriz sueca May Britt (branca como o leite), foi alvo de críticas dos brancos e dos negros, que já não conseguiam aceitar sua conversão ao judaísmo. Mas ele venceu a todos, e inclusive o trauma de perder um olho em um acidente de carro quando começava a fazer sucesso. Chegou a usar um tapa-olho, mas quando chegou a um show e viu todo o Rat Pack (Sinatra, Martin, Peter Lawford e Joey Bishop) com tapa-olhos, desistiu e colocou um olho de vidro.

Continuou a carreira, foi um dos grandes, poderia até ter sido maior não fosse a revolução cultural dos anos 1970 (que o atingiu em cheio, levando-o inclusive para o vício em cocaína). Quando retomou as apresentações, foi vencido pelo câncer. Mas Sammy Davis, Jr. escreveu seu nome na história da arte popular. E hoje é lembrado simplesmente como o maior showman de todos os tempos.

cristiantoledo@oestadodoparana.com.br

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