Um museu para Charlie Brown e Snoopy

Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy e toda a turminha animada dos quadrinhos, cinema e televisão acabam de ganhar o seu centro de referência. O Charles M. Schulz Museum foi inaugurado em Santa Rosa, na Califórnia, EUA, depois de um período de festejos que durou até 2 de setembro. Entre as atrações, logo no salão de entrada, uma gigantesca escultura de madeira de 3.200 quilos de Snoopy mostra como Spike, o cãozinho de estimação de Schulz, foi se transformando no superfamoso beagle. Há ainda uma réplica do estúdio do desenhista e um mural de azulejos com as 3.588 tiras de “Peanuts”, publicadas em mais de 2.600 jornais do mundo todo, compondo um gigantesco desenho de Charlie Brown tentando chutar uma bola.

Há quase três anos, quando se despediu do público, depois de um convívio diário de 50 anos, Charles Schulz avisou que a trajetória de seus personagens estava acabando ali. Com isso, ele atendia um pedido da família, que não queria que a tira diária tivesse continuidade, depois da morte do seu criador, pelas mãos de outro autor ou desenhista.

O cartunista, que viria a falecer na manhã do dia 12 de fevereiro de 2000, aos 77 anos de idade, enquanto dormia, em sua casa na Califórnia, na Costa Oeste dos EUA, um dia antes de a tira de despedida ser publicada na imprensa norte-americana, soubera que tinha câncer de cólon em novembro de 1999. Achou, então, que era chegado o momento de dar por encerrada a missão iniciada em meados de 1950, quando, depois de muita luta e muita rejeição dos editores, decidiu viajar de trem a Nova York e oferecer o seu trabalho ao United Feature Syndicate. Surgiram, ali, os Peanuts (pequenos, petizes ou minduim, como foram chamados no Brasil). A tira de estréia data de 2 de outubro de 1950.

Mas Charles Monroe Schultz – natural de St. Paul, Minnesota, onde nasceu a 26 de novembro de 1922 – sempre detestou o título que lhe fora imposto. Achava-o inadequado, já que poderia indicar gente pequena no sentido de sem importância. Até porque, em sua obra, criança jamais foi um personagem sem importância. Muito pelo contrário. O angustiado Charlie Brown, o inseguro Linus, a espevitada Lucy, o filósofo cãozinho Snoopy e seu fiel escudeiro, o pássaro Woodstock, ao invés de serem tratados como seres inferiores, sempre tiveram vocabulário e comumente enfrentavam problemas próprios de adultos.

Schulz dizia que, além de diversão, o seu propósito era mostrar aos adultos o quanto é difícil para uma criança crescer. Talvez por isso mesmo, em seus quadrinhos nunca aparecessem adultos – sempre presentes, referidos e questionados, mas jamais vistos.

– Os adultos pensam que o único problema das crianças é ir para a escola todos os dias – afirmava o autor. “Nada disso. Ser criança não é nada fácil e a maioria dos adultos ignora os pequenos problemas que as crianças têm.”

E Charlie Brown personificou, como ninguém, esse universo infantil de dificuldades e decepções. Filho de um barbeiro de bairro e sempre chamado pelo nome completo, jamais conseguiu empinar papagaios, era mau aluno e ruim de bola, tanto no beisebol como no rugby e no futebol americano. Além disso, vivia sendo ofuscado por um simples cachorrinho, um beagle capaz de meditar em cima de sua casinha de madeira, filosofar em balõezinhos, escrever à máquina e pilotar aviões imaginários, como o intrépido “Barão Vermelho”, herói de guerra.

Com Charles Schulz um novo tipo de humor foi incorporado aos quadrinhos, um humor mais intelectualizado, mas nem por isso menos alegre, menos sutil e menos saboroso. Ele era, certamente, um estudioso da alma humana e soube como ninguém lidar com os sentimentos, a emoção e as angústias da humanidade.

Álvaro de Moya, jornalista, professor do Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos da USP e um apaixonado pelos gibis, definiu Charles Schulz como “Freud dos quadrinhos”, tal a catarse coletiva provocada pelo autor. “Peanuts” foi sempre a tira diária mais recortada e exibida ou enviada nos Estados Unidos. Seus personagens, então, são até hoje os mais reproduzidos em todo o planeta, em camisetas, bonecos, anúncios, postais, artigos de papelaria, álbuns, cinema e televisão.

Schulz, no entanto, jamais se importou com as críticas de excesso de comercialização de seus heróis. Concordava que eles eram, basicamente, um produto comercial, e não via nenhum mal nisso. Ademais, ele sempre fez tudo sozinho, nunca teve assistentes, roteiristas ou colaboradores. Certa feita, afirmou a um repórter que se este lhe desse uma grande idéia para uma tira, agradeceria, mas não a usaria: “Seria uma idéia sua, não minha, e eu sempre usei apenas as minhas próprias idéias nas minhas tiras, esses anos todos…”

Mesmo quando passou a sofrer do mal de Parkinson, recusou qualquer ajuda de estranhos. Preferia desenhar com dificuldade com a mão esquerda guiando o punho direito e assumia as imperfeições do traço de Charlie Brown & Cia. em nome da preservação da essência dos personagens e em respeito a um público estimado em 335 milhões de leitores.

Para o interessados, o Charles M. Schulz fica em 2301 Hardies Lane, Santa Rosa, Califórnia, USA.

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