?Eis um pequeno fato: você vai morrer?. O aviso, dado pela própria morte, está na primeira página de A menina que roubava livros, lançado no Brasil pela Intrínseca. O estranho é que as 500 páginas, deste que é o quinto livro do jovem australiano Markus Zusak, constroem uma relação de respeito e admiração entre o leitor e a ?ceifadora de almas?.
A morte é péssima, e deixa isto bem claro: ?Basta dizer que, em algum ponto do tempo, eu me erguerei sobre você, com toda a cordialidade possível. Sua alma estará em meus braços. Haverá uma cor pousada em meu ombro. E levarei você embora gentilmente?.
Mas a morte, que assume o papel de narradora deste livro, não seria má e ela própria define assim o que vai contar: ?É a história de um desses sobreviventes perpétuos, uma especialista em ser deixada para trás?.
A sobrevivente chama-se Liesel Meminger, uma menina que, abandonada pela mãe, para não morrer igual a ela, nas mãos dos nazistas, acaba entregue a um casal alemão numa cidadezinha perto de Munique, em 1939. Entre este ano e 1943, por três vezes Liesel encontrou a morte e por três vezes a venceu.
A narradora, derrotada, explica: ?É só uma pequena história, na verdade, sobre, entre outras coisas, uma menina, algumas palavras, um acordeonista, uns alemães fanáticos, um lutador judeu e uma porção de roubos… mas quando a morte conta uma história você deve parar para ouvir?.
O primeiro roubo, quase por acaso, aconteceu numa tempestade de neve, quando Liesel assistiu ao enterro do irmão mais novo, e lhe caiu às mãos um livro bizarro O Manual do Coveiro. O segundo, ela resgatou de uma fogueira da juventude hitlerista.
Outros dois livros marcam a história: Mein Kampf, de Adolf Hitler, e uma fábula escrita literalmente em cima dele. Os pais adotivos de Liesel esconderam o judeu Max Vandenburg durante dois anos no porão de sua casa e entre ele e Liesel nasceu uma sólida amizade. A menina pintou de branco as páginas do manual do nacional-socialismo e sobre elas o protegido da família escreveu uma linda história que, na obra de Markus Zusak, é publicada de maneira incomum, com a ortografia e os desenhos originais.
A menina que roubava livros tem uma narradora macabra, mas não tem a morte como seu principal tema. É um passeio pelo medo e pela coragem, pela crueldade e pela generosidade. Celebra o poder da língua e da palavra e conta pequenas histórias que definem a existência de seres humanos comuns de almas raras e grandiosas.
Em alguns países foi lançado como um livro para jovens; em outros, como um livro para adultos. Os críticos americanos e ingleses são unânimes: deve ser lido por ambos. Para o New York Times, que inclui o livro na sua lista de best-sellers há 43 semanas, faz lembrar, ao mesmo tempo, Harry Potter e o Diário de Anne Frank, sendo considerado um daqueles livros capazes de mudar a nossa visão do mundo. Inova na linguagem, alternando a narrativa linear com ?apartes manipulativos do narrador?, antecipando fatos da própria história. Para o crítico do USA Today, A menina que roubava livros foi feito para se tornar um clássico.
Filho de mãe alemã e pai austríaco, Markus Zusak tinha apenas uma idéia na cabeça antes de escrever o livro: contar a história de um ladrão de livros. Inicialmente, planejava ambientá-la na Sidney em que nasceu, mas constatou que as histórias que ouviu dos pais, sobre o difícil período do nazismo, eram o cenário perfeito para o seu projeto: um comovente elogio da língua e da palavra como instrumentos de resistência à tirania, ao medo e à morte.