Nos fundos de um corredor, em uma rua no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, existe um pequeno, porém charmoso, laboratório de fotografia em preto e branco que desafia as 40 milhões de imagens postadas, diariamente, na rede Instagram. Desafia ainda o último lançamento de câmera digital full HD. O cartão de 128 gigas. A velocidade de um mundo que parece não permitir mais o tempo da fotografia analógica.
A responsável por isso é Rosangela Andrade, de 54 anos, com cabelos grisalhos e olhos azuis que, ironicamente, não combinam muito bem com uma imagem PB. Rosângela já trabalhou para alguns dos principais fotógrafos brasileiros: Cristiano Mascaro, Paulo Velloso, Pedro Martinelli, Thomaz Farkas, German Lorca e Ed Viggiani estão entre os que confiaram seus preciosos filmes para que ela pudesse interpretá-los em forma de contrastes, luzes e sombras.
Sua relação com a fotografia começou nas ruas poeirentas da Vila Santa Maria, na zona norte da cidade. Jogava bola com os meninos da rua, sem pensar muito no futuro, quando os pais a colocaram para ajudar o fotógrafo do bairro. Kaoru Otuyama foi seu mestre. Mostrou que nem só de câmera e equipamentos se faz a fotografia. “O Kaoru me levava junto com sua família para assistir a filmes de samurai no cinema do bairro. Me mostrou a comida japonesa. Era um verdadeiro mestre zen”, dispara ela, com a precisão de uma câmera Leica.
Nesse período, a aprendiz ainda não tinha contato com reveladores e fixadores. Seu universo era o de retratos 3×4 para documentos. Quando muito um casamento no bairro. “Adorava fotografar casamentos. Um dos dias mais felizes na vida de uma pessoa”, diz.
Após esse primeiro estágio com Kaoru, Rosangela fez assistência para fotógrafos, trabalhou em estúdios e para revistas, até que passou a integrar a equipe do Álbum, um dos grandes laboratórios da década de 1980, do fotógrafo Zé de Boni.
Lá, teve uma iluminação. Foi quando ampliou uma foto de Cristiano Mascaro. Participar de alguma maneira do seu trabalho, vendo a imagem aparecer sob a luz vermelha, provocou-lhe fascinação. “Percebi que era isso que queria fazer da vida. Como fotógrafa, seria sempre mais uma. Nunca conseguiria ter a destreza de um fotojornalista”, relembra, sem rancores do passado.
Nesse período, teve o privilégio de ajudar Zé de Boni a ampliar as imagens que ele tirou na Chapada Diamantina. Fotos do livro Paisagem Mágica.
Depois de muitos filmes revelados ela abriu, há 20 anos, o próprio laboratório: o Imágicas. Nos áureos tempos, chegou a empregar seis profissionais. A relação com os fotógrafos sempre foi intensa. “Quanto mais conhecer sobre o fotógrafo, melhor irei interpretar seu trabalho.”
Cristiano Mascaro foi um dos seus parceiros e clientes. “Mal sabia eu como aquela loirinha do Álbum seria importante para meu trabalho”, lembra o fotógrafo. “Foi um tempo bom. Sou são-paulino, a Rosangela, corintiana. Tirávamos sarro um do outro, enquanto tomávamos café e esperávamos os filmes secarem.”
Mascaro hoje não trabalha mais com fotografia analógica, só digital. “Fui constrangido a mudar. Ninguém mais me esperava revelar os filmes, bater os contatos, escolher as fotos e depois fazer as ampliações. Tudo ficou mais rápido. Tenho saudade das minhas Hasselblad de ótica impecável, mas o mundo se transforma. Tivemos que passar por essas transformações”, sentencia. “A gente nunca acha que um dia na vida irá mudar de time de futebol. Quando passei a trabalhar com digital tive a sensação que isso aconteceu comigo”, conta, fazendo uma lacônica metáfora.
A própria Rosangela fraquejou. Quase sucumbiu. Pelos idos de 2007, 2008, vendo os clientes rarear, com cada vez menos filmes e fotos para “interpretar”, comprou um computador Mac. Estudou os programas de tratamento de imagem, mas não teve jeito. “Não tenho nada contra o digital, acho bom para o mundo que esse processo exista. Mas não consigo ficar longe da escuridão do laboratório, do cheiro do químico. É o que eu gosto de fazer.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.