Um diálogo sobre fotografia e efemeridade

Nos últimos anos, Elenize Dezgeniski tem se dedicado a investigar a fotografia de espetáculos a partir do diálogo entre a efemeridade das imagens cênicas e a suspensão das imagens captadas por sua câmera. O olhar da fotógrafa se fixa no visor e o dedo aperta o disparador quando encontra o instante preciso que reflete a escolha estética do trabalho a ser fotografado.

Atuando paralelamente como atriz, ela é consciente das possibilidades do seu meio: as duas profissões se encontram e, em um processo de troca mútua, se revelam uma à outra como cúmplices. Com suas imagens, Elenize vem nos propor a testemunhar o instante capturado em uma escolha essencialmente pessoal.

Um dos cuidados que ela tem é o de não se preocupar essencialmente com imagens belas, mas pensar na fotografia como uma extensão do espetáculo, onde o resultado deve estar em sintonia com a linguagem. Sua condição é precisamente a de reconhecer a natureza do afeto e do sofrimento, da música e da voz, do gesto e da imobilidade que permeia os trabalhos artísticos. Uma das principais fotógrafas de Curitiba, seu nome está regularmente situado nos registros das principais peças de teatro, dança e shows musicais da cidade.

Ela também é integrante da Obragem Teatro e Cia, onde atualmente trabalha no projeto Dossiê Buchner, contemplado pela Funarte no Prêmio Myrian Muniz. Ainda este ano, atua no infantil MMM – A montanha do meio do mundo e se prepara para a nova montagem do grupo, NOBORU. A fotógrafa ainda desenvolve um projeto para um livro de fotografias de espetáculos.

Marcamos a entrevista na casa da Elenize, na rua Manoel Ribas no bairro Mercês. Um apartamento no quinto andar, com muitas plantinhas, alguns objetos antigos e uma luz da manhã entrando pelas espaçosas janelas.

O Estado – Como a fotografia e o teatro surgiram na sua vida?

Comecei muito cedo com a fotografia ajudando meu pai que também é fotógrafo. Foi ele quem me deu as primeiras noções lá pelos 12 anos de idade. No início eu o ajudava com a luz, depois passei a fotografar sozinha. Meu interesse em fotografar teatro surgiu durante a faculdade de artes cênicas. Em 2004, fotografei o espetáculo Bicho corre hoje, da Cia Senhas de Teatro, neste mesmo ano acabei fotografando para quase todas as companhias da cidade. As coisas aconteceram rapidamente, quando vi já estava com a agenda lotada de trabalho. Minhas primeiras experiências como atriz foram no Colégio Estadual do Paraná, onde estudei o segundo grau, participava do Grupo do Colégio e dos festivais de lá, depois me formei em Interpretação pela Faculdade de Artes do Paraná. Mas antes da fotografia e do teatro, estudei música por vários anos, referência que também influencia meu olhar.

O Estado – Como o trabalho como atriz influencia na sua atuação como fotógrafa?

O conhecimento da linguagem teatral que a profissão de atriz me dá, me faz entender como uma cena funciona estando dentro dela e
me dá o olhar de dentro. E quando estou com o olhar atrás da lente, o olhar de dentro faz combinações com o olhar de fora. É mais ou
menos assim que funciona para mim. Não basta fotografar um espetáculo apenas procurando imagens belas, é necessário que as fotografias dialoguem com as escolhas estéticas e linguagem do trabalho. Às vezes participo dos processos criativos de alguns espetáculos, discutindo cenas e fotografando ensaios, o que enriquece muito a configuração final das fotografias.

O Estado – Qual o tipo de preparo que você faz antes de fotografar um espetáculo?

Procuro saber do que se trata. Algumas informações são essenciais: conversar um pouco com o diretor e saber de onde partem as idéias das cenas me dão a primeira direção. Quando a luz acende e o espetáculo se inicia começo a construir as relações poss&iacute,;veis entre o espetáculo e as possibilidades da fotografia. Um bom alongamento também é bem vindo para preservar os punhos e a coluna. Existem também as companhias que eu fotografo há vários anos, como a Cia Senhas, o Grupo Delírio, a Obragem e no último ano pude acompanhar todo o processo do projeto VIDA, da Companhia Brasileira de Teatro, isso acaba me deixando mais próxima da estética e dos conceitos de cada grupo.

O Estado – Que pontos considera essenciais para que o resultado nas imagens seja fiel à encenação?

Existem duas particularidades a serem consideradas, uma é inerente ao teatro: a sua efemeridade, uma de suas características essenciais mais potentes. A particularidade da fotografia é a característica de congelamento de um instante; a suspensão. Isso torna impossível a idéia de fidelidade. Acho que existe mais um diálogo entre efemeridade e suspensão em constante negociação dentro das direções apontadas pelo espetáculo; da sua linguagem.

O Estado – Como você visualiza o ato artístico no trabalho de registro de espetáculos?

Acho que a dose de liberdade do fotógrafo de espetáculo se dá na autonomia de se fazer uma escolha, ele fotografa sozinho, só há espaço para um olho atrás do visor e ele decide o momento de apertar o disparador. É uma decisão extremamente pessoal. Se nesta brecha o fotógrafo quiser apontar alguma questão artística, um desdobramento ou um conceito, aí então pode ser considerado um ato artístico. Na maioria das vezes, a fotografia de espetáculo funciona como registro mesmo, mas em alguns casos é possível estar tão inserida em um processo que o trabalho pode ser considerado um ato artístico. Cito como exemplo minha experiência dentro do Grupo Obragem, onde as imagens são muito discutidas dentro dos processos, onde tive a oportunidade de trabalhar na elaboração das projeções do espetáculo Passos e do espetáculo O inventário de Nada Benjamim.

O Estado – Quais as suas referências na fotografia e nas artes visuais?

Nas artes visuais, em geral, gosto muito do trabalho da Rosangela Rennó e suas questões sobre o desaparecimento. No cinema, sou fã do Ingmar Bergman e na performance estou interessada pelo trabalho e pelas idéias da carioca Eleonora Fabião.

O Estado – Quais são os seus projetos para este ano?

Estou trabalhando com o Grupo Obragem em um projeto chamado Dossiê Buchner, contemplado pela Funarte no Prêmio Myrian Muniz. Este projeto envolve várias ações até setembro, também estaremos reensaiando o espetáculo infantil MMM – A montanha do meio do mundo e numa nova montagem do grupo chamada NOBORU, todos como atriz. Na fotografia, começo a organizar o projeto para um livro de fotografia de espetáculos.

Mais sobre os trabalhos no blog da Elenize.

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