Uma luta interminável contra a solidão! Marina Colasanti apresenta em seu conto Um dia, afinal as expectativas da mulher de uma sociedade contemporânea, que busca se reencontrar a partir da presença marcante e da relação de dependência que alimenta anos a fio com o marido. Ao tratar da solidão, do abandono, dos receios que permeiam a relação homem x mulher, encontramos nesse conto o perfil de uma personagem sem identidade, sem nome, sem rosto, representante dos anseios femininos.
A autora, poeta, cronista e contista, se deleita com temas pertinentes às suas obras: o cotidiano, a mulher protagonista, o desejo, o recomeço. A mulher de Um dia, afinal carrega todas as censuras e submissões que compõem infinitas esposas, companheiras de homens que muitas vezes as sugam, as traem com promessas de serem as únicas, de serem necessárias e insubstituíveis.
Colasanti é dona de tom e forma singular, discute acontecimentos diários e não raramente simplórios, com uma linguagem poética, permeada de sensibilidade. É o que encontramos por exemplo, na figura metafórica da viagem percorrida pela personagem-esposa. Cabe ao leitor percebê-la como uma viagem de deslocamento, de espaço ou uma viagem interior, na qual cada lembrança pode representar a doação e entrega de uma vida, os prazeres e as cumplicidades, ainda as mutilações e decepções acumuladas durante um convívio de mão única.
O fluxo de consciência que acompanha a personagem de Colasanti é bastante recorrente ao tratar das aflições femininas, um romance clássico que faz tal abordagem, dentro de suas devidas proporções, é Mrs. Dalloway de Virgínia Woolf. Encontramos tanto em Colasanti, quanto em Woolf a densidade e a amplitude de sentimentos que são construídos ao longo das relações e também como as pequenas tarefas do cotidiano podem se transformar em momentos de escuridão e ópio.
Um dia, afinal reelabora as cicatrizes de uma vida a dois, sem deixar de lado a dependência do olhar, da palavra e do toque, sentimentos e necessidades inatos à mulher, enfatiza a arte de se fazer literatura sobre o cotidiano miúdo.