Confissões de uma Mente Perigosa não é um daqueles filmes em que o espectador sai do cinema dizendo simplesmente “gostei” ou “não gostei”. É um filme complexo. Ao final da sessão, ficam duas certezas: primeiro, a de que Sam Rockwell é um ator excepcional, daqueles tipos raros na atual constelação hollywoodiana, em quem devemos prestar muita atenção. E segundo, George Clooney é uma boa e promissora surpresa como diretor. Da mesma forma como vem construindo uma carreira interessante como ator e produtor desde que saiu do seriado Plantão Médico – sempre ligado a projetos alternativos e apoiando novos cineastas enquanto alterna atuações em “filmões” para ganhar dinheiro e visibilidade – Clooney demonstrou que merece atenção e respeito também como diretor.
Ele aprendeu muitas lições com os irmãos Joel e Ethan Coen e com Steven Soderbergh, cineastas de primeira linha que o dirigiram em bons filmes. Estão lá, neste primeiro longa de Clooney, algumas marcas registradas destes diretores e a legítima identificação do “ator-estreando-como-diretor” com seus mestres: um estranhamento constante da câmera em relação à história que está sendo contada, toques de humor ácido e inteligente, foco nas esquisitices do ser humano, cortes inesperados, visão crítica e situações quase surreais que transitam com delicadeza entre a suposta realidade e a mente do narrador.
Enfim, tudo que a fábrica de sucessos de Hollywood não faz e não gosta que façam. Tudo funciona bem até certo ponto. Falta a Clooney o pulo-do-gato, aquela mão que difere iniciantes de grandes diretores: dar coesão a tantas idéias, amarrar com eficiência as jogadas de diferentes linguagens cinematográficas. Em resumo, saber contar uma história e conquistar o espectador, sem virar refém de performances estilísticas. Seria demais, mesmo, esperar tudo isso de um diretor estreante -a menos que fosse um gênio do calibre de Orson Welles.
Mas, afinal, o filme é bom ou não? Muita gente saiu do cinema durante a sessão em que eu estava. Possivelmente atraídos pelo nome de Clooney como diretor e, mais ainda, pela presença de Julia Roberts e Drew Barrymore (amigas dele) no elenco, esperavam ver (mais) um filminho de entretenimento e acabaram encontrando um filme “complicado”.
Para piorar, a história do produtor de TV Chuck Barris não é nada familiar para nós, brasileiros. Nos EUA, ele ficou rico e famoso criando programas bizarros de baixaria na tevê – foi dele a idéia genial de colocar gente amadora cantando e dançando até que o público não agüentasse mais a ruindade das performances e fizesse soar o gongo (The Gong Show), igualzinho aos shows de calouros de hoje. Enfim, fórmulas de programas populares inventadas por Barris nos anos 70 e copiadas até hoje pelas emissoras em busca de audiência.
O “complicado” da fita é que Clooney não nos facilita a aproximação com o personagem. É difícil sentir pena, empatia, raiva, compaixão ou carinho pelo personagem construído de forma magnífica por Sam Rockwell. Não conseguimos torcer por um final feliz nem desejar que ele, Barris, vá para o inferno. Ficamos um pouco alheios, como a câmera que Clooney mantém sempre distante da verdadeira motivação de seu personagem principal.
Eu estava atordoada ao final da projeção, sem identificar se tinha assistido a uma comédia, um drama, uma biografia, um meio-documentário ou uma mistura estranha disso tudo. Talvez seja essa sensação de atordoamento – além da performance de Rockwell -a maior qualidade do filme. Para quem gosta de cinema: sim, vale a pena assistir, e é bom andar rápido porque está apenas em duas salas de cinema na cidade e corre o risco de ser rifado logo, logo da programação.