Numa entrevista por e-mail, a diretora alemã Sandra Nettelbeck, de O Último Amor de Mr. Morgan, desabafa: “O amor surpreende a gente de muitas e inesperadas maneiras, e esse é o tema que gosto de abordar”. Mr. Morgan é sobre um homem que perde a mulher – e que levaria uma existência solitária, se outra, mais jovem, não surgisse em sua vida. O filme é adaptado de um romance (de Françoise Dorner). Dá a impressão de querer abarcar o mundo. Fragilidade do amor, distância entre pais e filhos, vínculo entre marido e mulher que permanece mesmo após a morte etc. Sandra esclarece: “O romance, para dizer a verdade, não tem muita história. É como se a escritora quisesse captar um momento emocional no tempo. Como se fosse possível encontrar conforto na dor, ou na lembrança de alguém querido que não está mais conosco”.
Ela não mede elogios para Michael Caine. “É um artista brilhante. Escrevi o papel para ele e Michael trouxe tudo o que esperava, e muito mais. Devotado, diligente, comprometido – e divertido. Michael acredita que o trabalho deve relaxar, não criar tensão. Eu também sou assim. Isso se refletiu no set, que foi muito prazeroso.” No livro, o personagem é francês, mas Sandra o transformou em americano para explorar o isolamento do idioma. “Foi muito fácil, terminou ocorrendo de forma natural na trama.” E, sim, ela admite: “Quis tratar o assunto de maneira leve”.
O roteiro divide a narrativa em duas partes – a vida solitária de Mr. Morgan até a chegada da dançarina e a mudança que ela introduz. A diretora concorda até certo ponto. “Para mim, o verdadeiro divisor é a chegada dos filhos. Na primeira parte, temos o viúvo e sua expectativa de uma vida solitária. Na segunda, somos confrontados pelo estranhamento entre pai e filho, e pela dificuldade que experimentam de se relacionar através da perda. Quem ajuda no processo é a mulher jovem.” Mais que a diferença entre as culturas francesa e americana, é a dos protagonistas que importa. “No livro, Pauline trabalha numa loja, e isso não me pareceu atraente”, explica Sandra. “Transformei-a numa dançarina porque desde o início me parecia que a história tinha de ser táctil. Nunca quis passar nenhuma mensagem sobre a oposição entre corpo e mente – ele é intelectual -, mas me parecia interessante, e vital, contrapor a música e o silêncio.”
Se há uma coisa de que Sandra foge é de generalizações. A crise entre pai e filho não é tratada como mera decorrência do estresse da vida moderna. “Depende de cada pessoa. Tolstoi disse que as famílias felizes são todas iguais e as demais são infelizes cada uma à sua maneira. Como Matt explica a Pauline, ele não tenta se matar porque não tem diálogo com o filho, mas porque quer ficar perto da mulher. Sempre fui muito próxima de meu pai até a morte dele, e até sinto que sou mais, hoje em dia. Falo sempre com minha mãe. Existem momentos de felicidade e outros nem tanto, nas relações familiares. Ficar ou não próximos de nossos pais é uma escolha que fazemos. Para o bem e para o mal, é uma decisão de foro íntimo. Ninguém vai nos cobrar, exceto, talvez, nossa consciência.”
Vivemos num mundo cada vez mais idoso e a publicidade define a terceira idade como “melhor idade”. O que a diretora pensa disso? “Essa é uma história única que pode se relacionar com a vida de muita gente, mas para mim é apenas uma história. Você tem razão. As pessoas vivem cada vez mais, mas como é a vida delas? Na Alemanha, temos uma expressão para suicídio – morte livre. Não digo que Mr. Morgan ou qualquer pessoa que cometa suicídio não teria motivos pelos quais viver. Ele tem. Mas é sua escolha de querer estar com a mulher. Respeito essa decisão mesmo que, na vida, o que mais quero é que as pessoas que amo compartilhem esse amor comigo.” E Gillian Armstrong, que faz a filha? “Já a conhecia de um filme que terminou não saindo. Gillian é inspiradora para mim. É uma verdadeira atriz de cinema. Tem uma magia na sua interpretação que não se vê na hora, só depois, na tela. Mal posso esperar para trabalhar com ela de novo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.