O mesmo se pode falar da ousada aposta do autor: escalar uma criança com síndrome de Down. No mínimo, foi um curioso exercício de improviso, que surpreendeu ao chamar a atenção pela quantidade de cacos que atores como Regina Duarte tinham de criar nas cenas com a pequena Joana Morcazel. Regina, aliás, parece ter se esforçado para compor uma das piores personagens de seus 42 anos de carreira na tevê. O excesso de caras e bocas explicitou os cada vez mais escassos recursos cênicos da atriz.
A trama também teve aspectos curiosos. No meio de toda a contemporaneidade das ruas e dos ?points? ?Manequianos? do Leblon, o autor deixou brechas para analogias de época entre seus personagens. A família de Tide, por exemplo, vivido por Tarcísio Meira, exemplifica uma espécie de patriarcado. Seis filhos e sete netos reunidos em volta de uma gigantesca mesa com refeições quase medievais remetem às histórias de época. Isso sem falar no amor Romeu e Julieta da bulímica bailarina de caixinha de música Giselle e do pianista Luciano, personagens de Pérola Faria e Rafael Almeida, que evocam tragédias shakespeareanas.
Na verdade, o autor, que reúne fragmentos de histórias dentre mais de 100 atores na trama, tem um personagem onipresente: o Rio de Janeiro. Seu explícito amor por paisagens turísticas, aliado à aquarela de focos e de contrastes do diretor Jayme Monjardim, retratam uma cidade rica em texturas. Representa um fascínio pelos contornos cariocas semelhante à fixação de Woody Allen pela Nova York retratada em seus filmes. Em alguns momentos, Maneco e Woody poderiam traçar paralelos em suas confissões de amor metropolitanas. Com declarações fragmentadas em personagens tipicamente cariocas, Maneco também conseguiu sublinhar a relevância da temática social em suas tramas. Incentivou o interesse dos jovens pela arte através de uma fictícia casa de cultura, a AMA; alertou adolescentes para doenças desencadeadas pelo culto à magreza, como a bulimia; tratou do alcoolismo e de suas conseqüências. Entre os altos e baixos de Páginas da Vida, Maneco reafirma sua preocupação com a profundidade das discussões humanas.