Em Páginas da Vida, Manoel Carlos se aprofundou no que sempre soube fazer: crônicas do dia-a-dia. Seu estilo de mostrar diversas ?frentes? de histórias paralelas se evidenciou nessa espécie de livro de contos numa versão televisiva. Mas existem armadilhas em costurar histórias como uma colcha de retalhos. Principalmente para os atores. Enquanto uns se sobressaem, outros caem no esquecimento. Ao mesmo tempo em que Lilia Cabral conseguiu se destacar com Marta, uma das raras vilãs humanizadas da tevê, atrizes talentosas, como Leandra Leal, Nathália Timberg e Helena Ranaldi, por exemplo, pareciam escaladas como elenco de apoio ou até mesmo figuração com suas respectivas Sabrina, Hortência e Márcia. Deve ter sido curioso ver a reação do trio ao se deparar com uma ex-BBB hipnotizando câmaras e diretores. Mesmo assim, Grazielli Massafera surpreendeu ao interpretar a interiorana Thelma. Apesar de ser muito próxima do universo roceiro da atriz, a personagem ganhou nuanças muito convincentes, defendidas por uma estreante sem preparo.
O mesmo se pode falar da ousada aposta do autor: escalar uma criança com síndrome de Down. No mínimo, foi um curioso exercício de improviso, que surpreendeu ao chamar a atenção pela quantidade de cacos que atores como Regina Duarte tinham de criar nas cenas com a pequena Joana Morcazel. Regina, aliás, parece ter se esforçado para compor uma das piores personagens de seus 42 anos de carreira na tevê. O excesso de caras e bocas explicitou os cada vez mais escassos recursos cênicos da atriz.
A trama também teve aspectos curiosos. No meio de toda a contemporaneidade das ruas e dos ?points? ?Manequianos? do Leblon, o autor deixou brechas para analogias de época entre seus personagens. A família de Tide, por exemplo, vivido por Tarcísio Meira, exemplifica uma espécie de patriarcado. Seis filhos e sete netos reunidos em volta de uma gigantesca mesa com refeições quase medievais remetem às histórias de época. Isso sem falar no amor Romeu e Julieta da bulímica bailarina de caixinha de música Giselle e do pianista Luciano, personagens de Pérola Faria e Rafael Almeida, que evocam tragédias shakespeareanas.
Na verdade, o autor, que reúne fragmentos de histórias dentre mais de 100 atores na trama, tem um personagem onipresente: o Rio de Janeiro. Seu explícito amor por paisagens turísticas, aliado à aquarela de focos e de contrastes do diretor Jayme Monjardim, retratam uma cidade rica em texturas. Representa um fascínio pelos contornos cariocas semelhante à fixação de Woody Allen pela Nova York retratada em seus filmes. Em alguns momentos, Maneco e Woody poderiam traçar paralelos em suas confissões de amor metropolitanas. Com declarações fragmentadas em personagens tipicamente cariocas, Maneco também conseguiu sublinhar a relevância da temática social em suas tramas. Incentivou o interesse dos jovens pela arte através de uma fictícia casa de cultura, a AMA; alertou adolescentes para doenças desencadeadas pelo culto à magreza, como a bulimia; tratou do alcoolismo e de suas conseqüências. Entre os altos e baixos de Páginas da Vida, Maneco reafirma sua preocupação com a profundidade das discussões humanas.