Ulisses Rocha ‘Só’ em muito boa companhia

O violonista Ulisses Rocha levou para o título do seu último disco um estado de espírito que, para a maioria das pessoas, é um dos mais difíceis de serem vividos: a solidão. Mas não serão tristeza e desalento que o ouvinte poderá sentir ao escutar “Só”, que o músico gravou na sala da sua casa em São Paulo, enquanto a família dormia. As dez novas composições instrumentais do também professor de violão da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) transmitem lucidez e paz.

“Eu sinto que a vida… ela se apresenta de duas formas claras: a forma concreta; e o mundo interior, que é absolutamente imenso, mas não é palpável. Mas se pode acessá-lo emocionalmente”, explica, em entrevista por telefone, dois dias antes de embarcar para Teresina, onde apresenta hoje (08), às 20h, as músicas de seu disco no Festival Nacional de Violão do Piauí. Estará no dia 15 em Porto Alegre e, no dia 16, em Caxias do Sul.

“Tudo está dentro de você. Existe todo um universo interior que está lá, pronto para vir para fora. E a música trabalha nesse universo. Eu acho que o sentido do ser músico, o grande lance, é viver o lado de dentro, mais que o lado de fora. É por isso que, quando todo mundo dormia, eu parava para fazer minha música. É quando o mundo para de cutucar você com coisas práticas. A hora de mergulhar nesse universo. E esse disco tem todo esse significado.”

Engano, portanto, pensar que em “Só” ele se revelaria um “solitário”, mas sim alguém que tem consciência do contato íntimo com um mundo interior a partir do qual se expressa. E da capa do CD até o silêncio absoluto após “Fogo Brando”, a última faixa, há total conexão entre imagem, som e sentido, que se entrelaçam e se expandem em espiral.

Com uma técnica mista de utilização de areia, a ilustradora Lícia Chaves compôs a imagem do artista em linhas suaves, de olhos aparentemente fechados, concentrado. Ao abrir o encarte, a imagem é reproduzida em tom mais escuro, como uma camada mais funda de terra, até chegar à raiz de sua música tridimensional e na mistura da tradição musical europeia aos ritmos brasileiros, negros e latinos.

A verdadeira “Jabuticaba” é um baião urbano. “É a fruta mais bonita, mais doce e mais fácil de pegar. E essa sensação com a música, sabe aquele dia que você está legal e bacana? Foi quando compus essa música. E a comparação com a jabuticaba foi imediata.” Apesar de a música instrumental não ter palavra, ela se assemelha de certa forma à literatura, uma vez que as palavras ganham sabores, cheiros e imagens. É normal alguém lembrar de uma “cena” de um livro. Em “Só” a música tocada é também poesia. Cada composição tem uma história, mas não necessariamente pode-se conhecê-la em discurso, mas em sensações.

Entre as músicas do disco, Ulisses comenta a inspiração para “Itaca”, a ilha onde nasceu Odisseo (ou Ulisses), como conta Homero na “Odisseia”: “ela tenta descrever a paisagem de uma viagem de barco, de veleiro. E ela descreve o vento, o movimento, a calmaria, de uma viagem de quem está indo em direção a Itaca. Essa viagem foi real. Eu a fiz com um amigo, na Grécia, até a terra de Ulisses. Logo na chegada, na marina, tinha um barzinho na areia com três nomes: Ulisses, Penélope e Remídio. E Remídio é o nome do meu pai. Aquilo foi muito simbólico e a sensação, muito interessante… o vento forte batendo, calmaria intensa, foi uma viagem intensa. E, toda vez que toco essa música, sinto essa sensação.”

Aliada à técnica, desenvolvida com ajuda de professores como Antônio Manzione, Ricardo Rizek, aos anos de estudo na escola de música do Zimbo Trio e às diversas formações musicais das quais participou, Ulisses conta que tirou do silêncio da noite sensações boas em “Só”. “Estou em um momento que não quero mais buscar tocar coisas difíceis, testar o limite do meu corpo e da técnica, mas interagir com a música que está pairando por aí. Eu só toco uma música, só gravo uma composição minha, quando eu sinto que estou tocando, mas não sou eu que estou tocando… A sensação é que a ideia vem tão clara e tão profunda que parece que não sou eu. A sensação é que você é a antena de um negócio que estava pairando. Eu atribuo essa sensação ao fato de a música ser como um filho: ele vem de você, parece com você, mas não é você. Ele é ele. A música, aquela que veio pra ficar, nasce assim. Eu procuro valorizar isso.”

Ulisses Rocha – “Só”

Cine Teatro da Assembleia Legislativa do Piauí

Hoje, às 20h

Av. Mal. Castelo Branco 201- Cabral Teresina-PI

Tel.: 86 3221 3022

Entrada Franca

Agenda de shows: www.ulissesrocha.com

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