TV começa a ampliar e diversificar participação dos negros

Enquanto atores carentes do Rio de Janeiro sonham com a cerimônia do Oscar, pequenos avanços mostram um Brasil um pouco mais negro na TV. O próprio Cidade de Deus, indicado como melhor filme estrangeiro, rendeu um fruto na telinha, onde Douglas Silva e Darlan Cunha protagonizaram Cidade dos Homens.

Nos dois casos, o foco era o cotidiano de violência e exclusão e seus principais personagens, negros e pobres. Já nas novelas, já é possível ver negros longe do estereótipo do bandido ou do serviçal. Como o médico Carlos de O Beijo do Vampiro, vivido por Sérgio Menezes, ou a professora de dança Solange em Sabor da Paixão, interpretada por Vanessa Pascale. Outra novidade é Turma do Gueto, da Record. Protagonizado por negros, o seriado estreou com média de 11 pontos – o dobro da audiência de Tamanho Família, que ocupava o horário. Mesmo assim, o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro -data do assassinato de Zumbi dos Palmares, líder negro do Século XVII -, vai passar literalmente em branco nas emissoras. Não há previsão de nenhum programa especial.

Idealizador de Turma do Gueto, o cantor Netinho partiu do desejo de ver os negros na televisão. “Não existe um galã negro. As crianças da periferia só têm três exemplos a seguir: o esporte, a música ou o tráfico”, analisa. A referência para a criança negra é também preocupação de Robson Nunes, apresentador do Zapping Zone, do SBT. “É importante o moleque ver um nariz igual ao dele, ou a menina admirar uma apresentadora que também tem o cabelo crespo”, justifica Robson, que se orgulha de levar elementos da cultura negra, como o hip-hop, para o programa.

A necessidade de mostrar a cultura negra, no entanto, não é unanimidade. Muitos consideram que o candomblé, a capoeira e a escravidão já foram abordados à exaustão. “Quero ver o negro executivo, o negro médico, o negro lindo, o negro que consome”, reivindica Jorge Marcondes, que vive o Edson em Turma do Gueto. Sensação parecida tem Taís Araújo, que protagonizou Xica da Silva, até hoje a única novela a ter uma personagem principal negra. “É claro que é um marco. Mas era uma escrava! É óbvio que tinha de ser negra”, questiona Taís. Já o ator Sérgio Menezes gostaria de ver na telinha a história de seus ancestrais. “Cadê os reis africanos, os traços de nobreza do povo negro?”, indaga Sérgio, que considera um “grande ganho” o fato de viver um médico em O Beijo do Vampiro.

Personagens consistentes, aliás, sempre foram uma das reivindicações dos artistas negros. Relegados a papéis de empregados ou bandidos, eles não viram na tevê o reflexo do crescimento que tiveram na sociedade, onde já ocupam outras camadas. Mas, na visão da maioria, o problema não é a profissão do personagem, mas sua importância na trama. “Não reclamamos por fazer serviçais, mas por eles não terem uma história com começo, meio e fim”, reflete Milton Gonçalves. Assim pensa Sheron Menezes, intérprete de Júlia em Esperança. A atriz garante que não se importa em viver empregadas, desde que tenham conteúdo. É o caso de Júlia, filha bastarda que deflagrou mudanças na família que serve. “Na época em que se passa a novela, não havia outra coisa para os negros”, conforma-se Sheron. Gustavo Mello, que vive o marceneiro Orlando em Sabor da Paixão, é mais incisivo quanto ao preconceito. “Temos de deixar de ter pudores. Faço empregado, bandido, mas quero fazer também juiz, médico e promotor”, sentencia.

O preconceito que sentiu no início da carreira levou Zezé Motta a criar o CIDAN -Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro, em 1984. À época, ela ouviu de diretores que não havia atores negros suficientes, ou que os atores negros eram ruins. Hoje com 350 artistas inscritos, a ONG facilita o acesso a comerciais, peças teatrais e filmes como O Xangô de Baker Street e Cidade de Deus. “Demos à mídia uma resposta sem brigas, lamentações ou cobranças”, alfineta Zezé. À primeira vista na contramão da atriz, Robson Nunes garante que o pequeno número de atores negros já o beneficiou em diversos testes. Mas o apresentador logo ressalta que faltam oportunidades. “Existem muitos talentos perdidos entre os negros”, arremata.

Instantâneas

# Robson Nunes lembra sua reação quando foi aprovado para viver o estudante Sávio, em Malhação. “Achei que fosse fazer uma participação como um marginal”. Ele já tinha sido malandro, detento e um motoboy que “fazia bicos como assaltante”.

# O ator Lázaro Ramos fez oito filmes antes de viver seu primeiro protagonista, em Madame Satã, de Karim Aïnouz.

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