Trilhando a lógica do absurdo

tv41.jpgToda vez que deixa as gravações de América, Daniela Escobar toma sempre a mesma primeira providência: prender os cabelos. As madeixas alouradas são o único detalhe que a atriz ainda não conseguiu aceitar na peruíssima Irene. ?Não tenho vocação para ser loura?, decreta, entre risos bem mais discretos que os da personagem. Acostumada a viver papéis dramáticos, como a judia Bella, de Aquarela do Brasil, e a contida Perpétua, de A Casa das Sete Mulheres, Daniela custou a acreditar que pudesse dar vida a uma mulher tão escrachada quanto a esposa do ricaço Laerte, interpretado por Humberto Martins. E o começo não foi mesmo dos mais fáceis. ?As primeiras frases dela foram uma tortura. Não conseguia dizer: ?Só entro neste carro se estiver no meu nome?. Hoje, falo qualquer absurdo?, garante, completamente à vontade.

A distância entre a tortura e a diversão foi vencida com uma lição da qual a atriz sempre ouvira falar, mas só com Irene aprendeu de fato. ?Não criticar a personagem é fundamental, principalmente se a gente não acredita que ela possa existir?, ensina. Com uma elegância clássica, voz baixa e gestos comedidos, Daniela realmente não faz o estilo de quem olharia com naturalidade, já à primeira vista, para um tipo como Irene. Melhor assim. A atriz admite que só em Aquarela do Brasil se sentiu tão instigada a trabalhar uma personagem. ?Sou meio preguiçosa para fazer o que é fácil. Não vou nem nos meus 70%?, entrega, com ares de auto-repreensão.

Daniela Escobar durante a minissérie  A Casa das Sete Mulheres.

Com a apresentação do Superbonita, do canal GNT, no entanto, a conversa é diferente. Há seis anos no comando do programa, Daniela se sente mais confortável justamente por contar com uma facilidade: o fato de não precisar decorar o texto. ?Decorar dá um cansaço mental enorme. Em novela, é um livro por semana. Sem ter de contar com a memória, fico muito mais à vontade?, justifica a atriz. O prazer de apresentar é tão grande que Daniela se arrisca a confessar um desejo antigo. ?Eu amaria apresentar o Jornal Nacional. É uma pena ter feito Publicidade e não Jornalismo. Errei a faculdade?, conforma-se, entre risos.

P – Depois de tantas personagens dramáticas, você se imaginava capaz de fazer comédia na tevê?

R – Só passei a me imaginar fazendo comédia depois de participar de Kubanacan, que era uma comédia rasgada. Foi uma participação pequena, mas me vi realmente engraçada, com jeito, olhares, maneira de falar e um texto cuspido com uma rapidez que não lembravam em nada aqueles tempos lentos do drama. E isso me acendeu a vontade de fazer comédia. Acho que a tevê, de um modo geral, oferece pouquíssimos desafios para os atores. As pessoas nos escalam pelo tipo físico. Se eu sou mais clássica, faço sempre a rica. A Perpétua, de A Casa das Sete Mulheres, por exemplo, era muito parecida comigo. Eu poderia ser daquele jeito se tivesse nascido no século retrasado. Mesmo a Maísa, de O Clone, que era amarga, ressentida, poderia ser próxima do meu universo se eu cismasse em não largar de um marido banana como aquele. Já a comédia não me é nada familiar, porque não acho graça em bobagem. De tudo que houve de humor na tevê nos últimos 15 ou 20 anos, só gostei de Os Normais e Os Aspones. Não é qualquer comédia que me faz dar risada.

Daniela em O Clone, novela de 2001, como Maísa Ferraz.

P – Você tem conseguido achar graça da Irene?

R – Às vezes sim, mas é difícil. Há uns lances do casal que eu acho que funcionam muito bem, mas às vezes ainda me acho esquisita. No começo, tinha muito medo de não acertar, de fazer uma mulher veado, aquela que só fala alto. E acho que fui um pouco por este caminho mesmo, com muitos gestos, uma coisa muito teatral, que na tevê não funciona mesmo. Hoje gosto do resultado, acho verdadeiro, vejo que não é uma caricatura de um personagem engraçado.

P – E o que foi que mudou?

R – Acho que humanizar é a regra número um para qualquer personagem dar certo. No começo, achava tudo muito esquisito: as coisas que ela dizia, a maneira como vivia, o universo dela era muito distante de qualquer coisa que eu pudesse imaginar. Mas não posso criticar o que ela diz ou faz. E fui percebendo que ela é uma mulher criança. Ela tem espírito infantil, é boba, inconseqüente, gosta de gastar, mas não faz maldade. Este caminho foi o que me fez descobrir esta mulher de verdade. Por um lado, ela é materialista, calculista, só pensa no dinheiro do marido. Mas também gosta dele, não trai, não pensa em outros homens. Se ele a cobrir de jóias e de roupas o resto da vida, vai continuar sendo o homem perfeito para ela. Mas, se começar a ser mesquinho, ela se desapaixona mesmo..

Em Um só Coração, de 2004, como Soledad.

Da arte de fazer perguntas

Antes de começar a fazer teatro, Daniela Escobar pensava em ser publicitária. Ela cursou Publicidade e Propaganda por três anos e meio na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. As primeiras recordações de seu fascínio pela arte de representar, no entanto, datam da infância.

Daniela era fã de novelas e filmes, aos quais sempre assistia, não como uma espectadora comum, ela gosta de ressaltar. ?O que me encantava não eram as histórias. Eu ficava imaginando que gostaria de estar naquela tela, vivendo outras vidas, me perguntava por que tinha nascido na minha família, com o meu rosto e o meu nome?, lembra.

De lá para cá, Daniela já viveu inúmeras outras vidas. Abandonou a faculdade às vésperas do fim do curso, trocou Porto Alegre pelo Rio de Janeiro, investiu no teatro e chegou à tevê em 1994, na novela Tropicaliente. Mas não perdeu a mania de se fazer perguntas. ?Sempre me pergunto o que tenho de levar para os outros e o que tenho a aprender com esta escolha que fiz. Estas respostas ainda não tenho?, ressalta a atriz, que tem na ponta da língua, por outro lado, suas mais queridas personagens na tevê: a judia Bella, de Aquarela do Brasil, e a amarga Maísa, de O Clone. Com a primeira, a identificação foi tão forte que Daniela pensou até em se converter ao judaísmo. ?Foi o universo mais interessante em que já mergulhei, a cultura mais rica, mais bonita. Era uma personagem pequena, mas das melhores que já fiz?, derrama-se. Já com Maísa, a grande satisfação foi ter se descoberto capaz de viver uma personagem dos 18 aos 45 anos, quando tinha 32. ?Foi uma personagem riquíssima, de situações absolutamente reais?, justifica.

No ano de 2000, como Bella Landau, em Aquarela do Brasil.

Mantendo a aparência por uma questão profissional

Daniela Escobar garante que sempre foi do tipo que deixava o creme de rugas passar da validade sem ter usado sequer meio pote. As coisas começaram a mudar quando ela foi convidada para apresentar o Superbonita, do canal GNT. Mesmo assim, ainda hoje a atriz se considera apenas ?normal? na escala da vaidade feminina. ?No meu caso, os cuidados estão relacionados à saúde. Sou medrosa, tenho pânico de precisar de hospital, remédio. Então, me cuido para me garantir?, explica.

 Os cuidados ?básicos? com unha e cabelo, no entanto, sempre estiveram na agenda de Daniela. Tanto que ela não titubeou ao ser convidada pela amiga Patrícia Drummond para ser sua sócia no salão de beleza Rubi Fashion. ?Não sei fazer unha, mas sei o que é uma unha bem-feita. Sei distinguir uma boa massagem de uma mão mole. É mais fácil oferecer ao público algo que a gente sempre consome?, raciocina a atriz. O salão, que fica no Hotel Sheraton, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, virou parada obrigatória de Daniela diariamente. Foi lá, inclusive, que ela desenvolveu boa parte do trabalho de observação que a aproximou de Irene. ?A gente vê muitas Irenes no salão. Mas vê de tudo, vê as Maísas também. Virei uma observadora voraz do comportamento humano?, define.

Trajetória televisiva

Estes os trabalhos de Daniela Escobar na tv: A Madona de Cedro, Globo, 1994; Tropicaliente, Globo, 1994 Berenice; A Idade da Loba, Manchete, 1995 Gaby; Anjo de Mim, Globo, 1996 Teresa; Chiquinha Gonzaga, Globo, 1999 Amália; Aquarela do Brasil, Globo, 2000 Bella Landau; O Clone, Globo, 2001 Maysa Ferraz; A Casa das Sete Mulheres, Globo, 2003 Perpétua; Kubanacan, Globo, 2003 Vanda; Um só Coração, Globo, 2004 Soledad.; América, Globo, 2005.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo