Tributo a Roberto Requião

Tenho um amigo valente

que estranha à muita gente

sua franqueza ao falar.

Ousado, justo e sincero

neste poema eu espero

seu perfil redesenhar

Hoje é um amigo distante…

mas eu quero neste instante

relembrar nossa bandeira

que tantas mãos empunharam

e profundas marcas deixaram

na história brasileira.

No início da ditadura,

nossa rebelde postura,

nos envolveu com seu manto.

E como uma flecha certeira,

armamos na mesma trincheira,

sua eloqüência e o meu canto.

E qual a enxurrada no açude

transbordou na juventude

a revolta e o protesto,

e no seu discurso brilhante

nosso grito de estudante

fazia eco em seu gesto.

Esgrimindo a liberdade

os anos de faculdade

nos uniu num ideal,

e com aquele sonho fecundo

pensamos mudar o mundo

com uma fé sem igual.

Ver a terra repartida

e a semente prometida

na flor, no fruto e no grão.

Ver a justiça se impor,

ver triunfar o amor

e nenhum homem sem pão.

Mas um decreto demente

deixou a nação silente

e o povo traumatizado.

Nosso ideal escondido,

seu discurso reprimido

e o meu verso amordaçado.

E veio um tempo infeliz

quando a história do país

se escreveu na escuridão.

Sem ter mais pra onde ir,

ele me ajudou a fugir

e a salvar minha canção.

E esta canção palpitante

floresceu exuberante

em fronteiras muito além.

Depois, voltou… escondida,

e por mim mesmo esquecida

não cantou pra mais ninguém.

Já são mais de trinta anos,

lutas, sonhos, desenganos,

coisas de qualquer mortal.

E cada um com seu passo.

ele ganhou seu espaço,

no cenário nacional.

De gesto amplo e preciso

fala convicto e com siso

nas tribunas da nação.

Político já consagrado

na Capital e no Estado,

a todos chama de irmão.

Este poema Roberto

é o meu coração aberto

meu voto de gratidão.

Por ter gesto solidário

quando meu canto libertário

ficou sem céu e sem chão.

Não esqueço o apoio dado,

não esqueço o teu recado

indicando o meu destino.

E depois dos meus andares,

no Paraguai, os teus pares,

acolheram um peregrino.

E se hoje assisto, chocado,

teu nome, na mídia, manchado,

pela tensão desta luta,

me revolta a forma insana

de se espalhar tanta lama

quando o poder se disputa.

Então se acorda o meu canto

pra expressar o desencanto

de uma batalha tão rude.

Vai em frente COMPANHEIRO

e neste intenso espinheiro

que o bom Deus te ajude.

Não se equivoquem porém,

pois não desfaço a ninguém

no pleito que se aproxima.

Sou um homem solidário,

não conheço adversário,

que esta não é minha sina.

Sou o amigo e sou poeta

e nesta rima discreta

registro o meu testemunho.

Tudo o mais é irrelevante…

eu já tive o meu instante

escrito com o próprio punho.

É o meu coração que fala,

pois só o ingrato se cala

e esquece o favor antigo.

E esta é a hora mais certa

pra lembrar a porta aberta

pelo gesto de um amigo.

Manoel de Andrade

é colega de turma de Roberto Requião na Faculdade de Direito. Catarinense, radicado em Curitiba, deixou o Brasil em 69, por razões políticas, e percorreu a América Latina, dando conferências e declamando os poemas do livro Poemas para a Liberdade, publicado na Bolívia, no Equador e na Colômbia.

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