Tenho um amigo valente
que estranha à muita gente
sua franqueza ao falar.
Ousado, justo e sincero
neste poema eu espero
seu perfil redesenhar
Hoje é um amigo distante…
mas eu quero neste instante
relembrar nossa bandeira
que tantas mãos empunharam
e profundas marcas deixaram
na história brasileira.
No início da ditadura,
nossa rebelde postura,
nos envolveu com seu manto.
E como uma flecha certeira,
armamos na mesma trincheira,
sua eloqüência e o meu canto.
E qual a enxurrada no açude
transbordou na juventude
a revolta e o protesto,
e no seu discurso brilhante
nosso grito de estudante
fazia eco em seu gesto.
Esgrimindo a liberdade
os anos de faculdade
nos uniu num ideal,
e com aquele sonho fecundo
pensamos mudar o mundo
com uma fé sem igual.
Ver a terra repartida
e a semente prometida
na flor, no fruto e no grão.
Ver a justiça se impor,
ver triunfar o amor
e nenhum homem sem pão.
Mas um decreto demente
deixou a nação silente
e o povo traumatizado.
Nosso ideal escondido,
seu discurso reprimido
e o meu verso amordaçado.
E veio um tempo infeliz
quando a história do país
se escreveu na escuridão.
Sem ter mais pra onde ir,
ele me ajudou a fugir
e a salvar minha canção.
E esta canção palpitante
floresceu exuberante
em fronteiras muito além.
Depois, voltou… escondida,
e por mim mesmo esquecida
não cantou pra mais ninguém.
Já são mais de trinta anos,
lutas, sonhos, desenganos,
coisas de qualquer mortal.
E cada um com seu passo.
ele ganhou seu espaço,
no cenário nacional.
De gesto amplo e preciso
fala convicto e com siso
nas tribunas da nação.
Político já consagrado
na Capital e no Estado,
a todos chama de irmão.
Este poema Roberto
é o meu coração aberto
meu voto de gratidão.
Por ter gesto solidário
quando meu canto libertário
ficou sem céu e sem chão.
Não esqueço o apoio dado,
não esqueço o teu recado
indicando o meu destino.
E depois dos meus andares,
no Paraguai, os teus pares,
acolheram um peregrino.
E se hoje assisto, chocado,
teu nome, na mídia, manchado,
pela tensão desta luta,
me revolta a forma insana
de se espalhar tanta lama
quando o poder se disputa.
Então se acorda o meu canto
pra expressar o desencanto
de uma batalha tão rude.
Vai em frente COMPANHEIRO
e neste intenso espinheiro
que o bom Deus te ajude.
Não se equivoquem porém,
pois não desfaço a ninguém
no pleito que se aproxima.
Sou um homem solidário,
não conheço adversário,
que esta não é minha sina.
Sou o amigo e sou poeta
e nesta rima discreta
registro o meu testemunho.
Tudo o mais é irrelevante…
eu já tive o meu instante
escrito com o próprio punho.
É o meu coração que fala,
pois só o ingrato se cala
e esquece o favor antigo.
E esta é a hora mais certa
pra lembrar a porta aberta
pelo gesto de um amigo.
Manoel de Andrade
é colega de turma de Roberto Requião na Faculdade de Direito. Catarinense, radicado em Curitiba, deixou o Brasil em 69, por razões políticas, e percorreu a América Latina, dando conferências e declamando os poemas do livro Poemas para a Liberdade, publicado na Bolívia, no Equador e na Colômbia.