Foi durante a montagem de Divinas Divas – seu documentário que estreia nesta quinta, 22, em 38 salas – que Leandra Leal e a montadora Natara Ney chegaram a Nelson Gonçalves. “A gente parava para descansar e ficava ouvindo música. Escultura foi uma descoberta muito forte. Tentamos colocar na trilha, mas não deu. Surgiu a ideia de construirmos a cena inicial, com a transformação desses homens em mulheres idealizadas.” Divinas Divas conta a história de oito pioneiras do travestismo no Brasil. Rogéria, que se autodefine como a travesti da família brasileira, Jane Di Castro, Divina Valéria, Camille K., Fujika de Halliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios.
Elas formaram a primeira geração de travestis do Brasil. E, num país preconceituoso, homofóbico e que enfrentava a repressão brutal da ditadura militar nos anos 1960, conseguiram o prodígio de se fazer aceitas como artistas. O filme conta a história de cada uma e a de todas. Extrapola o conceito de documentário porque cada uma dessas personagens é uma ficção de si mesma. Se há um tema em Divinas Divas é a arte. A vida como espetáculo. Na capa, Leandra já contou como teve a ideia do filme ao assistir ao show que as divas fizeram no Teatro Rival, no centro do Rio, muito ligado à história de sua família. Cada momento teve a sua dificuldade. Captar, filmar, mas o mais demorado foi a montagem.
Foram dois anos e meio para tirar, do material filmado, a narrativa do filme. “A demora da produção e da filmagem foi por falta de dinheiro, mas a montagem, não. Quando se faz documentário, a gente nunca sabe o filme que vai sair. Ele é construído na montagem. Fizemos outras versões antes dessa (definitiva), sempre buscando as melhores histórias de cada personagem e a interação de todas.” E Leandra prossegue – “Me identifico muito com as divas porque fazem parte da minha história, mas também e principalmente porque são artistas que se fizeram respeitar. Antigamente, artista tinha de ter carteirinha de saúde como prostituta. O estigma social era imenso, agora você imagine um homem que se faz mulher. E elas ainda atravessaram toda a repressão da ditadura.”
O filme é dedicado à artista chamada de Marquesa. Rogéria diz que sempre teve apoio da mãe. “Ela me dizia que, se quisesse me vestir de mulher, tinha de ter classe. Ser fina, não p…” Marquesa fez-se mulher a despeito da mãe, que não aprovava seu comportamento. Teve, talvez, a história mais dramática das oito. Chegou a ser internada numa clínica para tentar a cura gay. “Marquesa falava com a mãe em francês. E era a mais culta de todas”, palavra de Rogéria. Divinas Divas não é só sobre travestismo. É sobre as transformações ocorridas no Brasil dos últimos 53 anos, desde que, em 1964 (!), Astolfo Barroso Pinto criou Rogéria. Leandra, como diretora, consegue dar conta de tudo – das personagens e do País. Não representa pouco.
Documentários como esse, e Pitanga (de Beto Brant e Camila Pitanga) e Cinema Novo (de Eryk Rocha), estão criando novos paradigmas. Como Cinema Novo, no ano passado, Pitanga e Divinas Divas estarão entre os melhores filmes do ano, não apenas brasileiros. E não apenas documentários.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.