Apontado pela equipe de Histeria como um diretor seguro e muito rápido nas marcações definidas para os atores em uma montagem teatral, Jô Soares, 78 anos, 1,67m de altura, 95 kg e algum desconforto na coluna, sabe que o expediente de gravar um programa diário e dirigir um espetáculo ao mesmo tempo é puxado. E daí? “Eu adoro isso”, fala.
Como seriam tratados Freud e Dalí se eles estivessem aqui hoje, com opiniões capazes de despertar essa polarização política?
No clima em que estamos, acho que eles sofreriam bullying de um lado ou de outro. Eu tenho visto, e não perco, as sessões da TV Senado. Outro dia, teve um senador que, infelizmente, não tomei nota do nome, uma das pessoas mais chatas da República. Nunca vi mais chato, inclusive ele não fazia vírgula. Pessoa que não faz vírgula é uma coisa insuportável, não tem como cortar.
Cabe na adaptação alguma referência ao local ou ao tempo que a gente está?
Não. Mesmo sendo fiel ao original, acontecem algumas coisas que realmente têm referência e as pessoas pensam que foram incluídas propositadamente. Tinha uma cena engraçada no Atreva-se, em que ela dizia: “Cheguei atrasada por causa da greve do metrô”, mas está no texto, não tinha nada a ver com a greve que estava acontecendo na época e as pessoas achavam engraçada, a cena.
E agora? Algo parecido?
Não lembro, acho que tem um ou dois momentos que acontece isso, mas não me preocupo. E fico puto, não com caco (improviso do ator). O caco é bem-vindo quando é a propósito, mas quando é só pra fazer uma ligação com a realidade… Entrar o Freud e falar ‘meu Deus, está pior que o impeachment’, isso não. Realmente, fazer gracinha, não há necessidade. A situação (real) está muito mais para o surrealismo do Dalí do que para a psicanálise do Freud.
Você mencionou a TV Senado. É o que mais tem visto na TV?
É. A gente tem obrigação de saber quem está nos representando, nos dois lados. A gente escuta muita inconsistência, ao mesmo tempo, vê alguns depoimentos surpreendentes, e é a única maneira de ter contato com nossos representantes.
Você já se manifestou se é contra ou a favor do impeachment?
Não, e nem posso. Faço um programa que emite opiniões.
Na época do Collor, o programa também entrou com força nesse contexto político…
É, mas as pessoas se esquecem de que o programa sempre foi uma tribuna livre. Então, eu sempre convidava participantes dos dois lados, do lado do Collor e do lado do Ulysses (Guimarães), vamos dizer. Só que do lado do Collor, poucas pessoas aceitavam vir. E eu, sempre fazendo tudo com humor, é a minha arma.
Mas na época você não sofreu essa pressão. A polarização hoje é realmente maior ou isso é também efeito das redes sociais?
Não tinha essa polarização. Na época do Collor, houve realmente uma unanimidade, era um outro tipo de situação. O que eu dizia na época e sempre digo é que a minha posição política é de anarquista. Não anarquista de jogar bomba, mas de estar numa atitude de crítica ao governo, por isso é que consigo entrevistar pessoas dos dois lados, porque o programa é uma tribuna aberta.
Sobre o fim do programa na Globo, o que fará em 2017?
Não faço a menor ideia. Eu sou do dia a dia, não sei ainda o que vou fazer, nem sei se vou fazer alguma coisa, ou se vou tirar uns cinco anos sabáticos (risos). O meu ano sabático dura um dia, geralmente.
O Leandro Hassum, que agora está magro, faria uma releitura do Viva o Gordo, seu antigo programa. Isso passa por você?
O que houve foi um projeto, autorizado, inclusive por mim, de ele fazer um filme e fazer o Capitão Gay, que eu acharia estupendo. Só que agora é difícil, se bem que eu acho que ele pode fazer qualquer papel. Porque ele não é gordo, ele é ator, é um comediante espetacular
Mas há essa cobrança com os gordos engraçados, não?
Agora estou com 98 kg. Mas teve uma época que cheguei a pesar 160 kg e perdi 80. Aí, as pessoas estranharam muito e diziam ‘ah, perdeu a graça’. E eu dizia: ‘Olha, se gordura fosse engraçado não haveria necessidade de humorista. Você compraria 1 kg de toucinho, pendurava na sala e ria o ano inteiro com aquilo. Passava na frente da linguiça e ‘hahahaha’.
Temos também um novo livro a caminho, não?
Tem, mas houve um momento em que o livro parou porque era uma sátira ao momento político, que mudou radicalmente. Tenho que parar para ver como é que eu vou fazer agora.
Fala-se na junção entre os ministérios da Educação e da Cultura, em um possível governo Temer. O que pensa sobre isso?
Não sei. Tudo depende de como será desenvolvido, não entendo disso. Eu só acho que a cultura devia ser tratada com mais educação.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.