Aos 61 anos, Sebastião Salgado diz que é uma espécie em extinção, ?um dinossauro?. Seu tipo de foto, em preto-e-branco, jornalística, está desaparecendo.
Rio (AG) – Em entrevista, ele fala que se tornou uma pessoa mais pessimista em relação ao mundo, e da tristeza com a crise política no Brasil.
O Globo – O seu trabalho tem sido uma denúncia da condição humana…
Sebastião Salgado: Mas, menina, de onde a gente veio? Do Brasil, do interior. Emigrei para a cidade em 1960, para fazer a segunda parte da escola secundária. Naquela época, ainda tinha 80% de população no campo.
Havia a formação de uma idéia política do Brasil, industrialização maciça, todo aquele problema de ditadura. Então, você acaba fazendo opções na vida, e aprendendo coisas, e depois tudo o que você faz é mais ou menos em função disso. Tive que vir para cá em 1969, porque a situação ficou difícil. Estava no movimento estudantil, a coisa apertou muito com o AI-5. Vim e fiquei quase 11 anos sem botar o pé no Brasil.
Fotos ilustres: exploração em Serra Pelada. |
Aqui comecei fotografia e, claro, a fotografia em que entrei tinha que falar alguma coisa. Comecei trabalhando com uma série de ONGs ligadas a denuncias.
O Globo – Fotografia hoje, para você, é mais um instrumento político ou artístico?
Salgado: É um instrumento de vida, meu Deus do céu. Mostrar o que a gente vive. Sou fotojornalista. Todo o meu suporte são as revistas, os jornais. Sempre trabalhei com a mídia. Tenho carteira de imprensa. Meu estúdio não é de artista. É uma agência fotográfica.
O Globo – Câmera digital?
Salgado: Não tenho. Não sei nem bater à máquina, não sei nem ligar computador. Sou quase um analfabeto. Não sei enviar um e-mail. Não existe digital em preto-e-branco. Só em cor. Minha fotografia sempre foi branco-e-preto. Sou um dos fotógrafos mais tradicionais do mundo. Copio as fotos em papel. Vendo para revistas, colecionadores, museus.
O Globo – Esta forma tradicional está ameaçada?
Salgado: Totalmente. A parte fotográfica da Agfa fechou. A Ilford (papéis e filmes) fechou e abriu outra vez. Está complicando cada vez mais. Estou com a impressão de que estou virando uma espécie de dinossauro.
Paixão pela fotografia descoberta desde cedo. |
O Globo – Com seu trabalho mostrando a condição humana, você se tornou mais pessimista?
Salgado: Tornei-me mais pessimista, mas não por isso. Tornei-me porque hoje todos são mais pessimistas. A gente vê o que acontece no planeta, pobreza, Aids. E não se encontra solução. O problema vai se colocando de forma cada vez mais complicada, num nível cada vez mais difícil de ser resolvido. Como aconteceu no Brasil, a gente vota, tem esperança de chegar a alguma coisa com melhor distribuição de renda, melhor qualidade de vida… Sistemas que não funcionam mais.
O Globo – Você deve estar baqueado com a crise política do Brasil, não?
Salgado: Estou totalmente baqueado. Tinha uma esperança tão grande…. Conheço aqueles meninos (Dirceu, Genoino) há muitos anos. Conheço Dirceu desde 68.
Sou amigo do Lula. Gente, esperamos tanto tempo para chegar lá e hoje, o que ele fez, hein? Em 2004, na hora de votar o salário mínimo, não houve aumento, não seguiu a inflação. Como você pode lutar contra pobreza se o salário de base da população não melhora? O Brasil está estabilizado macroeconomicamente, mas a redistribuição de renda está pior.
O Globo – Lula fez um discurso se apresentando como referência ética no país. Você acredita?
Salgado: Sei lá. O Lula sempre foi uma pessoa muito honesta, sempre foi sério. Assim como eram os outros… Mas o sistema como um todo, eu não entendo.