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Nova York – Parece que o importante é ter uma história de sangue e milagre para contar. Produzido pelo mago do hip-hop Dr. Dre (o mesmo que lançou Eminem e 50 Cent), o nome da hora no gangsta rap é o californiano The Game, cujo nome real é Jayceon Taylor, de 24 anos. Seu disco de estréia saiu há menos de um mês, mas The Game é presença certa nas rádios e TVs americanas, especialmente com o hit How We Do, em parceria vocal com 50 Cent. Qual a peculiaridade de The Game? Bom, não faz dois anos ele era traficante em Compton, Califórnia, lugar que é tido como o berço do gangsta rap. Em novembro de 2001, foi emboscado por três homens armados e levou cinco tiros. Caiu ao chão e, ensangüentado, disse que ficou esperando pelo tiro de misericórdia na nuca, que é a forma mais comum de as gangues eliminarem seus oponentes. Enquanto esperava, "com um pudim de sangue saindo do estômago??, ele disse que viu momentos-chave de sua vida passando diante dos seus olhos.

A avó lhe dando o apelido que usa como nome artístico, a mãe dando à luz a irmã mais nova, o pai espancando a mãe e ela caindo na cama com o soco, o irmão sendo assassinado. Então, The Game escreveu uma série de rimas sobre a sua vida, que transformou num disco de formato de ópera de hip-hop.

The Documentary é o nome do álbum, lançado agora nos Estados Unidos e que vendeu 586 mil discos só na primeira semana, saindo como número 1 na parada da Billboard. Está na capa da Vibe, está na Rolling Stone, está no The New York Times. É devoto da velha-guarda do hip-hop, como o NWA de Easy-E (que ele tem tatuados no peito) e os seus predecessores mortos, Biggie Smalls, 2Pac, além de Kool G Rap, Big Daddy Kane e os milionários Snoop e Jay-Z.

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Mas não foi de imediato que The Game se tornou rapper de projeção. Houve outro tiroteio entre uma decisão e outra. Teve também 26 facadas. Um coma de alguns dias. Uma noite, ele conta, estava jogando Playstation 2, o jogo John Madden Football, às 2 da manhã, na casa de um irmão traficante. Bateram à porta e ele viu um cliente costumeiro com outro homem. Abriu e eles meteram o pé na porta. Eram três homens, dois armados. Um não tinha arma e resolveu ficar com a pistola que The Game tinha na cintura. Lutaram, Game ficou com a pistola, mas levou mais um tiro. Em sua canção mais conhecida, How We Do, ele se gaba de ter "teflon no peito??, ou seja: nada gruda no tórax de Jayceon Taylor.

Mas, depois disso tudo, de ter vivido uns tempos escondido com outros brothers de sua gangue e de ter perdido um irmão na guerra do tráfico, ele resolveu mudar de vida. Procurou Dr. Dre, o produtor que fabrica mitos do gangsta. "O que eu vejo primeiro é a imagem??, disse Dr. Dre. "Eu fiquei olhando como ele caminhava, ao atravessar a porta, e, é claro, você tem de ter talento. O jeito que ele soava, a entrega ao microfone, as letras, tudo isso me pegou. Então, nossas personalidades se integraram no estúdio. Funcionou. O talento te carrega e a personalidade mantém você lá??, afirmou o produtor.

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Contando história

The Game, que é fissurado na velha-guarda do hip-hop da Costa Oeste, não alivia os colegas na hora de definir suas motivações. "Estou contando minha história. Não quero agradar a ninguém além de eu mesmo. Não estou dizendo a ninguém para vender drogas ou portar armas. Quando eu vendi drogas, era porque aquela era minha última opção, porque tinha quatro irmãs e um irmão mais velho e nós estávamos comendo Cheetos no Dia da Ação de Graças. Quando eu empunhei uma pistola era porque minha vida dependia disso. Se você não quiser me ouvir, não ouça. Não estou glorificando a vida que eu vivi porque não desejo isso para ninguém. Sou só um ser humano criado na selva que não quer nada mais além de sair dela.??

"Muito do que se faz hoje no rap é porcaria mastigável que não diz nada nem significa nada para as pessoas que estão na selva??, diz o MC. "Todo mundo está rimando mas não estão dizendo nada. NWA, Biggie, 2Pac, Snoop e Jay-Z tinham algo a dizer e agora Biggie, Pac e Eazy morreram e foi devastador. Nós quase deixamos o rap morrer até que veio o Grande Hype Branco (Eminem) para salvar o hip-hop e 50 Cent fez uma ligação de despertar no gangsta. Sinto que agora é minha vez de executar a tarefa.??

Tudo parece confluir para uma história heróica, feita de improvisação e lutas contra condições adversas. Mas o álbum The Documentary é uma superprodução, que envolve todo o staff do mundo milionário do hip-hop de hoje (de Kanye West, maior concorrente ao Grammy esta semana, a Mary J. Blige, Bustha Rhymes e outros grandões). Não tinha como não dar certo.

Mas as letras e o estilo de The Game, de fato, têm pegada e ajudam bastante. "Compton, unh. Dre me encontrou nas quebradas. Vendendo porcaria, uma mão na minha arma. Eu estava vendendo pedras quando Master P estava dizendo Unnnh??, canta o rapper, em How We Do. Seu hip-hop é veloz e furioso, mas também presta homenagens sonoras aos pioneiros, em um mix musical que tem originalidade, tem punch, e tem um belo teaser de publicidade sustentando tudo. Em show recente, ele jogou um medalhão de ouro maciço de US$ 20 mil para a platéia, e seu casaco de couro de US$ 2 mil, e foi fazendo seu marketing do homem puro do gueto. O teste é saber se The Game resiste aos milhões fáceis do negócio do hip-hop na América.