Nessa onda de terror autoral que vem pautando o cinema mundial (Jordan Peele, de Corra! e Nós, Ari Aster, de Midsommar), o gênero ganha cada vez mais importância, e seguidores, no Brasil. Depois de assinar um dos episódios de O Nó do Diabo, Ramon Porto Mota propõe agora um filme inteiro, e dos bons. A Noite Amarela soma-se a O Clube dos Canibais, de Guto Parente, também em cartaz. Ambos produzidos fora do eixo, no Nordeste, um no Ceará, outro na Paraíba. Ambos produzidos com poucos recursos, embora com formas diferentes.

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Guto surgiu no coletivo Alumbramento, que se dissolveu, embora seus integrantes continuem ligados e trabalhando pontualmente. Porto Mota criou a produtora Vermelho Profundo. Com extrema inteligência, o cearense Clube utiliza o orçamento pífio de R$ 170 mil para traçar seu quadro das perversões da elite. Fotografias, ambientes, a despeito da breguice, expressam na tela o poder do dinheiro. O paraibano Noite, quase no oposto, faz questão de transformar sua pobreza em ferramenta estética. É um filme propositalmente sujo, com fotografia áspera e baixa luz. Essas características abrigam o que não deixa de ser uma história de amizade, e nesse sentido cabe certo paralelismo com It – A Coisa 2, do argentino Andy/Andrés Muschietti. Os garotos do primeiro It viraram adultos neuróticos e atormentados do portenho. Só unidos conseguirão enfrentar a ameaça do palhaço assassino Pennywise.

A Noite Amarela não tem um Pennywise, mas tem os amigos e o clima estranho, terrorífico. Os sete amigos são colegas que vão para uma ilha comemorar a formatura do ensino médio. Abrem-se quanto a expectativas, formulam planos. Ocorre o inesperado – uma garota some. Ao procurá-la, os amigos mergulham em jornadas individuais (ou de duplas) que vão mudar suas vidas. Um vídeo serve como providencial explicação para o que está por trás dos acontecimentos. Sinistros? Bizarros? De cara, o diretor mostra que há algo errado com a ilha. Tudo ali parece fora de lugar, e a sensação é reforçada pela cena em que dois amigos se perdem um do outro sem sair do lugar.

Mais do que o terror de Muschietti, à Hollywood, e apesar da proximidade, o filme de Porto Mota navega pelas águas sinuosas do estranhamento lynchiano. Não, você não estará delirando se enxergar algo do David Lynch de Eraserhead, de 1987. Mota não se preocupa em explicar tudo e deixa o filme aberto à participação do público. Metaforicamente, O Nó do Diabo trabalhava com conceitos arcaicos – a escravidão. Agora, os medos parecem mais vagos. Uma inquietação, um mal-estar. Um retrato do Brasil?

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Na internet, você encontra entrevistas de Porto Mota em que o diretor define seu filme como um “slasher espiritual”, por ser um slasher em que o espírito é que está em jogo. O corpo, no caso, é só imagem – o concreto – que se dilacera de dentro para fora da narrativa. Existem elementos de Corrente do Mal, de David Robert Mitchell, em que jovens se transmitem (pelo sexo) uma força maligna, e também de A Hora do Pesadelo, a série cult criada por Wes Craven, por também ter adolescentes que sonham.

O resultado, a par da possível soma de influências, termina sendo bem original pela forma como o cineasta conta sua história. Aliás, talvez nem exista uma história clássica, mas um conjunto bem elaborado de sensações inquietantes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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