“Ela já chegou?” Na tarde de sexta, a jovem soprano de 20 anos não esconde a ansiedade. “Você vai cantar para ela?”, pergunta uma colega. “Não, mas, meu, é a Teresa Berganza, vim pelo menos para assistir…” Uma pausa e as mãos vão de encontro à cabeça. “Ai, esqueci a câmera, você trouxe? Tira uma foto minha com ela?” Alguém desce correndo a escadaria do teatro. “A Berganza chegou.” Os olhares se voltam para a porta por um instante, ou uma eternidade, antes que surja a imagem daquela senhora diminuta. Brinca com um bebê que acompanha a mãe na plateia, olha em volta. “Boa tarde, boa tarde”, diz, em um português bem ensaiado. Os alunos se aprumam nas cadeiras enquanto ela sobe ao palco. Senta-se ao lado do piano, sacode os braços, arruma o cabelo. “Podemos começar?”
Há poucos cantores que nas últimas décadas podem reivindicar para si o posto de intérprete definitivo de determinada obra. A meio-soprano espanhola Teresa Berganza faz parte desse grupo seleto – e com um dos grandes papéis do repertório, a cigana Carmen na ópera de Bizet. Cantou em todos os principais teatros, gravou com os grandes maestros de seu tempo. Desde a semana passada, está em São Paulo, dando master classes a jovens cantores brasileiros que, hoje, fazem no Teatro São Pedro um recital em homenagem a ela.
O primeiro a subir ao palco é o barítono Randal Oliveira, interpretando uma ária de As Bodas de Fígaro, de Mozart. Ela corrige as ênfases, interpreta junto, desce para a plateia para checar a projeção da voz. Depois é a vez do tenor Marco Antônio Jordão, com ária da ópera O Elixir do Amor. “E a intenção? Você está falando em morrer de amor, acredite nisso!” Ela cantarola a passagem e de repente soa pelo teatro aquela voz, o timbre inconfundível, a intensidade a que nos acostumamos em suas gravações.
Após a aula, ela explica se dá para ensinar em tão pouco tempo de aulas. “Os jovens estão cada vez menos preparados musicalmente. Preocupam-se apenas com a voz e esquecem o que estão cantando. Sim, a técnica é fundamental, mas tento fazer com que entendam que não é suficiente. Eu prefiro trabalhar com uma voz não tão bonita, mas de personalidade do que com uma voz bonita, mas sem conteúdo.”
A carreira de Berganza começou no fim dos anos 50, quando cantou ao lado de Maria Callas. Uma grande influência? “Sim, mas não a primeira. Ouvia, ainda adolescente, no rádio, Victoria de Los Angeles. Tive por ela sempre muita admiração, pela qualidade da voz e pela rigidez na escolha precisa de repertório. Mas nunca a imitei. Cada voz é uma voz. E é responsabilidade do cantor e de seus professores saber escolher o melhor caminho. Há tantos papéis bonitos pelas quais sou apaixonada. Mas minha voz dizia que não. E eu obedecia.”
Que balanço faz da carreira? “O fato é que eu precisaria de 180 anos para cantar tudo o que queria, mas as óperas que cantei foram muito especiais para mim.” Ela se despede e, na descida do palco, completa. “Sabe, no fundo acho que tive sempre muita sorte”, diz, e vai em direção à porta cantarolando um trecho da Carmen. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.